de esporadicidade imprevisível

Sonho esdrúxulo

26/03/18

Em uma maternidade, contemplava cheio de espanto a cabeça de um recém-nascido a se mover de um lado para outro, marcada por dois sulcos transversais afundados na parte de cima, provenientes, eu bem sabia, do uso de fórceps. Aquilo me incomodava, apesar de pouco me importar com a ausência de um corpo ligado à cabeça. Parecia-me macabra a deformação pelo uso do instrumento e natural uma cabeça sem corpo.

Voilà, senhoras e senhores psicólogos e ilustres psiquiatras! Como assinalou Luis Buñuel a respeito dos sonhos, tudo, absolutamente tudo, foi imaginado por tal ou qual cérebro e esquecido. Aos intérpretes, a interpretação! (Lembrar-me aqui do cineasta espanhol é bastante óbvio, pois a cena do sonho é deveras bunhelesca.)

Cada sonho traduz a forma objetiva ou oblíqua, econômica ou prolixa, explícita ou metafórica de um cérebro funcionar. Sem estar sustentada por um corpo, como poderia uma cabeça se movimentar? Desprovida, no sonho, de seu corpo, a cabeça, também sem pescoço, não mostrava "sinais de amputação" era bem arrematada, sem vísceras visíveis, quase como a cabeça solta de uma boneca. Todavia minha atenção se concentrava nos dois sulcos paralelos afundados no crânio.

Uma leitora perguntou, por ocasião do relato de outro sonho, se não me importava expor-me assim de maneira tão íntima, ela adjetivou. Não me importo, já se vê, pois a capacidade do cérebro (meu ou de qualquer um) elaborar uma cena assim bunhelesca torna insignificante tudo porventura pessoal eventualmente implícito na exposição. Ou seja, importa o fenômeno humano e não ninharias individuais.

Lembro-me de ler, em Jung, a história de uma tribo africana onde os poucos adultos do grupo se reuniam cada manhã para contar e ouvir os sonhos da noite anterior. Compartilhavam sonhos! Por isto, volta e meia, os conto aqui.

 



NOTA: Não existe o adjetivo bunheleco, mesmo assim, o uso há muito tempo.
Os dicionários registram felliniano, fique pois a proposta de inclusão para qualificar
obras, feitos e fatos à maneira de Luis Buñuel. (Talvez prefiram buñelesco)

volta

Mon, 26 Mar 2018 23:32:16 -0300

crônica esdrúxula!

Gosto muito dessa ideia dessa tribo:
Lembro-me de ler, em Jung, a história de uma tribo africana onde os poucos adultos do grupo se reuniam cada manhã para contar e ouvir os sonhos da noite anterior. Compartilhavam sonhos! Por isto, volta e meia, os conto aqui.

Tenho a impressão de que mulher gosta mais de contar sonho do que homem, o que você acha?

      sem assinatura

Nunca pensei no assunto, mas acho que mulher se interessa mais pela troca de informações e seria natural se interessar mais a respeito dos sonhos. Eu acho o universo onírico fascinante...

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