Sonhos e Devaneios

21/10/97


Vocês devem lembrar que Jung confessa, em seu livro de memórias ditado para e editado por uma mulher, confessa que sua briga com Freud começou com um sonho. O mais velho e carrancudo sonhara algo terrível, tenebroso, que o discípulo omite por não ser seu o sonhar. Mesmo assim, diz ter compreendido o significado do sonho do outro e toda monstruosidade que ele implicava. Não teve coragem de esclarecer as coisas para o amigo e calou. Desse ponto em diante foi como se tomassem duas estradas que partem em direções distintas. Pouco se sabe como a humanidade lidava com os sonhos antes desses senhores elevá-los ao status de voz do inconsciente.

Outro que conta, também num livro de memórias, relações íntimas e fraternais com os sonhos é Buñuel. A ele os sonhos são caros, tão queridos, que diz gostar até dos piores pesadelos. Declara: "Milhares e milhares de imagens surgem assim cada noite para dissiparem-se quase que imediatamente, envolvendo a terra num manto de sonhos perdidos. Tudo, absolutamente tudo, foi imaginado por tal ou qual cérebro e esquecido". Num livro que também foi ditado, a um de seus roteiristas Luis Buñuel afirma, em outra parte, aos 80 anos, ou quase, o que faria das 24 horas do dia, se lhe dessem mais 20 anos para viver: "dê-me duas horas de vida ativa e vinte e duas horas de sonhos, contanto que possa lembrar-me destes - porque sonhos só existem através da memória que os alimenta."

Ora, sempre fui um apaixonado pelos sonhos e um sem número de vezes me perguntei por que a vida em que o corpo físico perambula e está ativo, a chamada vida real, é mais real que a vida vivida quando estamos dormindo e as coisas são sentidas com tanta ou mais intensidade através dos sonhos. Quantas vezes você acordou de um pesadelo suando em bicas, com o coração disparado, como se o próprio corpo tivesse tomado a iniciativa de acordá-lo para evitar o colapso? Quantas vezes você enfrentou em sonhos situações e perigos que jamais conheceu na tal de vida real? E não são só pesadelos, é claro. Há os sonhos de deleite também. Certa vez vi, na revista Veja (e leia), a resenha de um livro que se propunha a ensinar a fazer sexo apenas nos sonhos (isso foi antes de aparecer a AIDS!) A autora - a mim me parece óbvio e inevitável que a proposta fosse de uma mulher - sugeria que era muito mais divertido e prazeroso ter relações sexuais nos sonhos, já que aí, pode-se escolher com quem e transar com essa pessoa mesmo que, na real, ela não queira transar com você! O treinamento incluía anotar os sonhos em um caderninho no escuro, sem nem mesmo acender a luz para escrever...

Por outro lado, conta-se que em muitas tribos aborígenes o simples relato de um sonho pode mudar os planos de toda comunidade, na guerra e na paz. Pois foi exatamente o que me ocorreu. Tinha prometido continuar a contar a história de "O Mentiroso" - jornalzinho que publicava em 1958, e não 1957, como acreditei até ontem, e que nada tem a ver com recente filme homônimo, já que uma querida leitora me alertou para o risco de tal confusão - e, feita a promessa veio o sonho. Como não sou capaz de compreendê-lo, paro o relato de reminiscências, memórias e confissões, até que outro sonho ou divindade me faça advertência em contrário.

É preciso não omitir, apenas, dois fatos. O primeiro é que "O Mentiroso" não era redigido de cabo a rabo por mim. Ao contrário, é grande o número de colaborações ali. O editorial do primeiro número, já publicado aqui, foi redigido por uma amiga Luzia Peltier Badu. Fizemos juntos, um de cada lado da grande mesa, mas foi ela quem redigiu. Segundo, o erro quanto às datas, já mencionado, vai mais além. O último exemplar, já é do ano de 1959 e o editorial mencionado, que de fato causou a cassação do periódico, não se referia ao primeiro satélite artificial, o inesquecível e emocionante Sputnik (1957), mas à alunissagem do Lunik II (13-09-59). São dois erros de informação da crônica do dia 19 último, fora os outros, por tropeços dos dedos nas teclas ou ignorância pura e simples das complicações de nossa língua.

Os exemplares de "O Mentiroso" e outras publicações periódicas que me perseguiram ao longo da vida estão disponíveis no sítio, mas como os ministros da ditadura militar, "sem comentários, nada a declarar".

Seria um grave erro falar tanto de sonhos sem registrar que tenho duas amigas capazes de sonhos inacreditáveis. Tome-se ao pé da letra o que acabo de dizer: inacreditáveis! Tanto que seus terapeutas, sejam junguianos ou de qualquer outra linha, chegam a duvidar que não seja tudo pura invencionice. E já que estamos no terreno do desconhecido, registre-se ainda que uma, é do signo de Escorpião e nasceu no dia das bruxas: 31 de outubro. A outra, quase, é do finzinho de Libra, mas tem o ascendente em Escorpião, também. Como vocês sabem, quinta-feira, às 9:16 (GMT) entraremos no signo de Scorpio...

 

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