auto-retrato

 

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Vícios

5/11/97


Acendo um cigarro enquanto o Janelas se incumbe da saúde do Mané. Primo Nicolau foi-se, há dias. Satanás, se cá está, não se manifesta, talvez consciente de todas as bruxas que zumbem como varejeiras. Sabe-se que é uma estupidez fumar. Quem fuma há muitos anos sabe disso nos próprios pulmões. E, no entanto, continua-se a fumar, como se continua a fazer e falar segundo nossa coleção de vícios. Não sabemos nos despojar de ontem para abrir os olhos num verdadeiro hoje e, ano após ano, arrastamos o peso de ontem e tentamos lançá-lo no amanhã. Hoje se transforma nessa tentativa. Ponte, tecida de vícios, hábitos, lembranças e idéias, que chamamos sonhos: como gostaríamos que fosse um suposto amanhã. O cigarro acabou, um pouco antes que o fumante, como costuma acontecer...

Sem o primo ou Satanás, que vez por outra me acompanham neste labor, resta o Mané, que o senhor Janelas batizou, inicialmente de "Meu Computador", causando uma certa confusão e apreensão: e se chegasse, a qualquer momento, uma intimação para entregar ao senhor das Janelas a máquina que comprei. Sorrateiramente, mudei o nome: passou a ser Emanuel, soava-me melhor. Ora, a partir daí Emanuel começou a fazer perguntas completamente idiotas. Interrompia-me nas horas mais inconvenientes. Depois, arvorou-se em juiz supremo e, volta e meia, destruía parte de meu trabalho com a pomposa informação de que havia em suas entranhas uma operação ilegal, diante do que, dane-se você, quem manda aqui sou eu - cheio de prepotência. Mudei o nome pra Mané. Ele era, definitivamente, mais Mané que Emanuel...

Pois foi o Mané, que trouxe hoje uma cartinha de um amigo querido que há muito não via. Ouso roubar-lhe duas ou três linhas, sem mesmo pedir, pois falam exatamente do Mané e dos vícios deste viciado aqui. Ei-las: Quem te viu e quem te vê! Lembra quando tivemos com o Lúcio as primeiras lições sobre informática (naquele calhambeque metido que atendia pelo nome suspeito de XT ou coisa parecida)? "Como liga, o que é programa, arquivo, teclado. Pra que merda serve isto, afinal?" Está tudo dito pra entendedor dos bons, daqueles que saciam sua fome com meia palavra. Quem te viu e quem te vê? Ele viu. Foi generoso até - é uma das pessoas mais generosas que conheci.

Trabalhávamos numa assessoria de imprensa, espécie de redação de jornal em miniatura, igual em quase tudo, exceto que, no dia seguinte, foram os outros que publicaram jornais... O grande instrumento eram as Olivetti, como lembra a carta, mais adiante. Aí, apareceu o tal do Lúcio, doce, meigo, dizendo que iria colocar um computador lá, pois estava sobrando, só pra gente ir se familiarizando, começando a aprender... O Lúcio, que o Nelson Rodrigues classificaria como uma daquelas pessoas capazes de vir comer alpiste em sua mão. Vinha todos os dias, não comer alpiste, mas cheio de novidades e paciência. Tudo era novidade! Eu o via como uma espécie de feiticeiro de mundo maluco dos computadores - informática, eu ainda nem tinha aprendido a falar! Bom, vou contar logo, pois já se sabe que hoje existe o Mané e que já existiram outros antes... também, porque já disse aqui - disse e repeti: acabei como uma espécie de cogumelo, grudado no Mané, a ponto de, às vezes, cogitar se ele não me considera um de seus "periféricos"...

Eis a confissão: de todos, naquela assessoria, fui o mais refratário. Lembro, com nitidez fotográfica, que ficava parado, encostado à soleira da porta da sala onde estava o tal XT (seria mesmo um XT?) olhando de longe. Aos chamados insistentes dos amigos, respondia: eu? Tô fora. Só quero escrever, pra isso, a Olivetti tá mais que ótima! Eu não vou nunca me meter com isso daí... E nem chegava perto...

Não sei como foi a transição. Alguma coisa me pegou, me encantou - sim, só pode ter sido encantamento! - e, aos poucos... Não sei como foi, mas deve ter me fascinado, de início o engenho do Homem. Sempre tive uma admiração estatelada, perplexa, por qualquer solução engenhosa, pela manifestação pura e simples disso que nos diferencia de todos os outros bichos. A sociedade das abelhas e perfeita? Muito mais justa e eqüitativa que a nossa? Certo, mas tudo indica que há 100 milhões de anos a sociedade das abelhas, ou a das vespas, formigas, etc. era exatamente igual a que é hoje! A dos cupins? É ainda mais antiga! Devo ter ficado fascinado por algum idiota comando do DOS, ou por imaginar tudo aquilo (inclusive um eventual texto meu!) transformado em intermináveis fileiras de zeros e uns e com o "sim" e o "não", apenas, tornar tudo possível!

Mas pode não ser nada disso... afinal, fumei o primeiro cigarro tão só porque minha namorada fumava e eu, não. O começo de um vício é fácil e imperceptível! Isto, há quase 40 anos! A paixão pode trazer danos físicos também... O outro vício, que acabou vindo dar no Mané e nestas crônicas, é bem mais recente: a história que meu amigo lembrou, vai fazer dez anos, talvez, no mês que vem... Como ele diz: É muito avanço para minha modesta capacidade de avançar junto. Bom, preciso ir comprar cigarros...

 

 

 

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