autora: Mima 

Tornozelos e saias

04/10/18

"A saia muito curta e um tanto puída deixava à mostra os tornozelos graciosos." A curta frase, de uma escritora muito famosa, me é duplamente cativante. Primeiro por destacar a graça de uns tornozelos e, depois, por relembrar-me a gradativa elevação das saias femininas, palmo a palmo, dedo a dedo, até as menores minissaias a expor pares de coxas onde há pouco apenas tornozelos se podiam ver.

A autora da frase, Agatha Christie, situa a cena descrita em 1915 e meu testemunho, absolutamente deslumbrado, pois em plena adolescência, da rápida ascensão das bainhas das saias se situa no final da década de cinquenta. A arguta observação de Agatha está em seu livro "O inimigo secreto", logo nas primeiras páginas.

Logo nas primeiras crônicas veio à tona o sujeito da subida gradativa, rápida e inexorável das saias. Depois, ele reapareceu de tempos em tempos e, agora, delicio-me com a cena de uma saia muito curta a deixar à mostra tornozelos cheios de graça. Eles, finos e bem torneados, trazem um mistério evolutivo à minha compreensão: tornozelos de maior diâmetro devem encerrar ossos mais sólidos e mais difíceis de se partirem, mas aos olhos dos homens são atraentes os tornozelos finos, frágeis. Por quê?

O gosto masculino por seios fartos e nádegas volumosas, assim como a preferência por mulheres rechonchudas durante o renascimento e, particularmente, pelos pintores impressionistas, tem uma explicação biológica, pois são tais reservas no corpo feminino a fonte dos insumos para a fabricação de bebês. Ao preferir esses atributos visa-se, inconscientemente, à próxima geração. Mas e os tornozelos? Por que escolher os mais frágeis?

Voilà! Temos muita matéria para cogitações. Agradeço à admirada autora por sua frase elegante e sua grande capacidade de síntese: ela resumiu tudo em 77 toques.

Thu, 4 Oct 2018 13:30:40 -0300

muito boa, você sempre arrasa.

      sem assinatura

Merci.


Fri, 5 Oct 2018 20:44:39 -0300

Oi, amigo

Adorei! Li muita coisa de Agatha Christie (e ainda releio de vez em quando os que guardei), mas não me lembro desse.
Vou procurar no Sebo Virtual (livros a partir de 10 reais).

Mas, como sempre, seu texto me trouxe outras lembranças: meu pai, incomodado pelo comprimento das saias curtas que,
quando as pernas eram cruzadas, deixavam ver a calcinha... e, segundo ele, despertavam em qualquer homem o desejo
de “horizontalizar” a mulher - pode? Para prevenir essa eventualidade, ele costumava descer a escada de casa batendo os pés
pra avisar de sua presença as quatro filhas que namoravam no andar térreo ... E, evidentemente, com o filho homem achava
ótimo que as namoradas se trancassem com ele no quarto. O curioso é que, em outros assuntos, ele era bem progressista (foi
quem me iniciou no pensamento marxista). Minha avó costumava me dizer que ele iria pro inferno porque era ateu; felizmente, não
me deixei impressionar - talvez já concordasse um pouco com ele? Com certeza ele foi uma influência importante pra mim apesar
do seu machismo... (e, pela sua crônica mais antiga, talvez ele tivesse mesmo razão sobre o desejo de horizontalização??? A diferença
é que agora se reconhece mais que o desejo pode ser recíproco?)

Lembrei também que (pelo menos no Ocidente) o encurtamento das saias começa com as guerras mundiais, motivado pela escassez
e consequente economia de tecidos. Não sei se você gosta desse tipo de literatura, mas em um livro de Ken Follet (O buraco da agulha), sobre
a 2ª, guerra, uma mãe vai visitar a filha que está morando em uma ilha no norte da Grã-Bretanha, e a filha se espanta: “Você deve estar
congelando! Onde você achou essa saia? E a mãe responde: “É a moda, querida. Economiza pano”.

Resta a sua pergunta instigante sobre a preferência por tornozelos frágeis. Não poderia ser, na época de Machado, uma preferência machista pelo
indício de uma fragilidade feminina que reforça a superioridade da força masculina? Será que persiste até hoje? Fico pensando nas atletas mulheres...
que competem entre si, e não com homens...

Melhor parar por aqui antes de viajar mais!

Bjs
Ana

Ah, amiga...

Vejo agora que sentia falta de seu sempre inteligente e rico contraponto!
Virei leitor de Agatha Christie depois de velho por influência de minha neta. Hoje somos ambos fãs da "mãe" de Hercule Poirot. Se quiser ler no computador, tem de graça na LeLivros ou, posso lhe mandar por e-mail.

Tornou-se quase um jogo de reminiscências nossas conversas a partir das crônicas. Encantam-me suas histórias repletas de detalhes. Hoje, olho para essas atitudes e comportamentos típicos de um e de outro sexo e me maravilho com a eficácia absoluta das "estratégias da vida" para garantir a geração seguinte. Olho o comportamento dos pombos nas calçadas e me rio dos pais preocupados com o comprimento das saias e outras coisas. Na juventude, somos meros escravos de nossos hormônios. A geração futura sempre prevalecerá.

Nunca ligara a escassez de tecido com a subida das saias. Agradeço a informação (Ana é cultura!) Você já me aconselhara Ken Follet. Peguei alguns livros dele, mas ainda não os li.

Por fim, quanto aos tornozelos, tudo que posso assegurar é pessoal: sempre tive aversão por mulheres com tornozelos grossos. Uma repulsa muito grande mesmo.

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