autoria: José Lauro

Transbordamento de energia

27/10/16

Schopenhauer observa, no início de seu "O Amor" estarem os poetas habituados a pintar o amor e salienta: "Em vez de causar admiração que um filósofo procure também apoderar-se deste assunto, tema eterno de todos os poetas, deve antes surpreender que uma questão que representa na vida humana um papel tão importante tenha sido, até agora, descurado pelos filósofos e se encontre diante de nós como uma matéria nova."

O ensaio de ontem martelou-me a consciência por abordar na superfície um tema "que representa na vida humana um papel tão importante", mesmo se Schopenhauer falou de amor e eu tenha falado, ontem, de paixão. As duas palavras são usadas para referir ampla gama de significados e não nos perderemos nisto.

Inquietou-me, no fundo, uma questão de energia: o apaixonado experimenta um transbordamento de energia vital e se torna fisicamente capaz de feitos impossíveis em condições normais. Cito um exemplo pessoal: certa época, tomado por um desses êxtases dos apaixonados, tinha de subir, a cada dia, uma escada de 40 degraus e o fazia "sem esforço", de quatro em quatro. Passada a "paixão" a escadaria voltou a me parecer um sacrifício insuportável...

Vêm, certamente, da percepção dessa energia os versos onde Piaf se diz pronta a qualquer proeza pedida por "seu amor". Diante desta constatação cogito: tanta energia, em si, é algo maravilhoso e possivelmente indispensável para erigir uma sociedade sã. Por que rotular de idiotas (desde Dostoiévski "idiota" me soa mais brando) os apaixonados, como fiz, os portadores de energia capaz de grandes feitos?

A resposta talvez remeta a individualização da paixão, a não a vivenciarmos intransitiva. Todos os desmandos (inclusive mortes trágicas) viriam da existência do objeto da paixão.

Seria possível estar apaixonado sem ser por algo em particular, paixão sem objeto?

NOTA: "O Amor" foi publicado por volta de 1844. volta

Thu, 27 Oct 2016 21:40:39 -0200

bom...
bem...
pra ser sincero não estou preparado para acompanhar sua visão sobre aqueles que estudam...
o que não é o meu caso. sou apenas um jornalista e olhe lá...
mas a nossa família tem você pra pra nos explicar, né?

mas não deixe de me contar como termina o lance com o peixe se debatendo...

      sem assinatura

Que bom que você sempre lê as bobagens que escrevo! Eu, que não sou sequer um jornalista, proponho:
Sigamos, sem explicações pois é...

   Besteira buscar porquês -
   Tudo tem explicação.
   Só que cada teorema,
   justificativa ou demonstração,
   apenas deixa mais claro
   que nenhuma explicação
   explica nada, de fato,
   justamente pelo fato
   de se poder tudo explicar.


(copiado de mim mesmo há 30 anos!)


Thu, 27 Oct 2016 21:41:15 -0200

... e as cores roxas são liiiindas...

      sem assinatura

É uma foto antiga de uma flor de íris, superabundante lá na Granja...


Fri, 28 Oct 2016 16:05:51 -0200

Muito bonita, amigo!

E acabo de lembrar de um livro que ganhei há muitos anos de um amigo. Ele me deu o original em francês, com uma dedicatória que termina assim: “ Desligado do poder, o discurso do amor funciona, no meu caso, como sua Antítese.” Fumaças de filósofo...

O livro é Fragmentos de um Discurso Amoroso, do Roland Barthes. Você talvez já conheça, mas transcrevo um trecho de que sempre gostei muito, onde ele fala assim de amantes

"Tel deux navires dont chacun pursuit sa voie et son but propres: ainsi sans doute nous pouvons nous croiser et célébrer des fêtes entre nous comme nous l’avons déjà fait - et alors les bons navires reposaient côte à côte dans le même port, sous le soleil, si calmes qu’on eût dit qu’ils se fuissent déjà au but et n’eussent eu que la même destination. Mais ensuite l’appel irresistible de notre mission nous poussait à nouveau loin l’un de l’autre, chacun sur des mers, vers des parages, sous des soleils différents - peut-être pour ne puis jamais nous revoir, peut-être pour nous revoir une fois de plus mais sans plus nous reconnaître: des mers et des soleils différents ont dû nous changer!".

Bjs

Ana

Em tempo: também há muitos anos, dei esse livro de presente para minha ex-terapeuta, depois de ter me convencido que ela não entendia patavina de amor...

Obrigado.

Sim, tinha, em português, "Fragmentos", do Barthes. Perdi-o com uns 800 mais na minha louca mudança. Assim, não tenho mais.

Adorei o trecho por você destacado e não me lembrava da imagem, apesar de ter lido o livro, mas há muitíssimo tempo. Obrigado.

Adorei também o "patavina", palavra que a mais longo tempo não ouvia. Minha mãe a usava com frequência.

O tema fascina e parece inesgotável...


Sat, 29 Oct 2016 19:31:51 -0700 (PDT)

gostei muito da ideia de paixao sem objeto
claro, adorei a cronica, como sempre maravilhosa
e essa flor roxa maravilhosa ... maracuja? passion flower?

      sem assinatura

Não. Trata-se de uma íris. Plantadas por Anucha custaram muito a florescer. As primeiras só se abriram depois da morte dela. É uma planta espetacular que se reproduz com muita facilidade:

https://en.wikipedia.org/wiki/Iris_(plant)


Fri, 4 Nov 2016 18:22:13 -0200

... acho que ainda não estou na fase
daqueles que conversão

com os sábios de todos os temas...

sou peixinho...

      sem assinatura

muito sábia sua observação...

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