autora: Mima 

Transição

03/09/12

Caem ainda folhas do ano passado com as rajadas mais fortes de vento enquanto o liquidâmbar já se veste de novas folhas, translúcidas, tenras e frágeis - pequeninas folhas destinadas a enfrentar primavera, verão, outono e, por fim, começar a cair no próximo inverno.

Tomba, rente a meu pé, uma folha morta. É bela e, por sua rigidez quebradiça, se apoia no chão de cimento como inseto desengonçado. Outra lufada e, de várias árvores, nova chuva de folhas e pequenos fragmentos vegetais. Ao agitar folhas e ramos, o vento faz um ruído agradável, delicado, quase imperceptível.

É o período mais seco do ano. Tudo se ressente da aridez de muitos dias sem chuva. A poeira ocupa, na atmosfera, o lugar que a água costuma preencher. Sábado, no amanhecer, um nevoeiro muito denso escondeu tudo além de uns poucos metros e trouxe alguma umidade à vegetação sedenta. A água em suspensão se condensava nas copas e pingava com parcimônia, como sinfonia minimalista, sobre as folhas cobertas de pó. Na poeria levantada pelos automóveis e decantada na vegetação, as gotas marcaram a pseudo chuva provocada pela bruma espessa.

Este inverno tem sido um dos mais admiráveis de que me lembro. Aliás, na natureza, a primavera parece se adiantar já neste final de estação. Os sintomas mais conspícuos de tal avanço são os cantos de acasalamento da passarada em galhos repletos de nova folhagem. Entre muitos pios e cantorias, os sabiás destacam suas habilidades melódicas e demais vantagens como parceiros para cuidar das próximas gerações.

Também borboletas voam aos pares no meio do voo efêmero das folhas mortas, renovadas a cada ano e muitas vezes mencionadas aqui. Uma delas pousa sobre uma folha seca - são quase da mesma cor.

No entardecer esbraseado do domingo, uma primeira cigarra contou solitária até a noite cair.

Mon, Sep 03, 2012 11:21 pm

Clode

Encantada com o som das folhas secas e com o canto dos sabiás
devem ser muitos, pois por onde ando os ouço
e é o mesmo canto por todos os cantos.
uma beleza avassaladora em meus ouvidos, cansados de tanta poluição sonora
desta megalópole
ao ouvir o canto dos sabiás me transporto para um outro lugar
aquele que poderia ser o seu quintal
onde estive acariciando o Cadú
momentos inesquecíveis, aqueles

Um inverno inesquecível
seco, mas colorido pelas flores que insistem em brotar
mesmo com a poluição absurda.
as arvores floridas, mil cores, mil sabores e cheiros
me remetem à minha infância
no interior, na pequena cidade de Taiúva
onde sentia todos os cheiros sem mêdo
de ser feliz.

beijos
MH

Que lindo! Dá-se o milagre da transmutação da analista de sistemas em poetisa de primeira! Viva!


Mon, Sep 10, 2012 11:17 am

querido
só li hoje

tão parecido com tudo q vivencio aki na natureza
uma sorte, uma preciosidade a gente poder vivenciar isso
imagina o Bruno lá na cidade, nadinha disso

obviamente, vivencio mas não sei escrever, descrever, expressar assim, de forma tão linda como vc o faz
sempre me encanta

bjs Maren

Olha, não sei se nas praças e parques do Rio não se oferecem ao espírito cenas melhores e mais cativantes do que esta que descrevi...
Eu mesmo testemunhei muita coisa no Parque da Cidade e em outras paragens daquela cidade...


Wed, Sep 12, 2012 4:16 pm

 sim, por ai deve estar tudo bem bonito, neste inverno sem inverno. mas ai ainda existe uma certa dose de verde. por onde vivo, o concreto impera, infelizmente. e o cinza dá o tom.
 torço todo dia por uma tempestade, uma chance pra respirar... tá fácil, não, meu irmão.

bjos

      sem assinatura

Logo virão as tormentas e inundações e árvores tombadas e falta de luz. Desconfio de trazer sobras das adaptações de nossos ancestrais à secura extrema do deserto... gosto mesmo de clima bem seco, talvez por ser minha casa úmida demais.

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