Zero ou Um?

 

Último dia de junho. Muitos vêm nele o meio do ano, o que não é bem verdade. A divisão exata dos dias e horas de um ano que não é bissexto se dá ao meio-dia do dia dois de julho. Contar o tempo sempre foi humano, demasiado humano. E difícil, inclusive porque era preciso, primeiro, saber contar...

É dona Sabrina, aprender a contar foi uma das epopéias que recebemos de mãos beijadas, com se diz, sem ter que pagar um níquel de royalty por isso. Agora mesmo assistimos a um inútil debate sobre a chegada do terceiro milênio. Há os que querem contar o ano 2000, redondinho e cheio de zeros, como o primeiro do novo milênio. Outros ficam indignados, por ver aí um "erro terrível" e primário, afirmando que o primeiro é o ano um e, portanto, último ano do primeiro milênio foi o 1000, o do segundo será o 2000 e que, por isso, o ano que inaugura cada milênio, século ou década precisa, necessariamente terminar com o algarismo um: 2001, 1901, 1991 etc.

Se você gosta de uma disputa e já elegeu sua opção, cuidado. Quando o assunto é calendário, as coisas nunca são tão simples assim. Primeiro, é preciso lembrar que esta contagem só vale para uma parcela da humanidade: judeus, maometanos e vários outros povos não contam o tempo a partir da imprecisa data do nascimento de Cristo. Mesmo entre os cristãos, astrônomos e historiadores usam convenções diferentes para datas anteriores ao ano 1. Nos livros de história o ano que precedeu o ano 1 DC é chamado ano 1 AC, porque não se conhecia o zero, na Europa, àquela época. Já os astrônomos consideram o ano anterior ao ano 1 DC como "ano 0"...

Por isso, todo esse auê é um pouco como disputar o sexo do anjos. Nas igrejas de minha infância, eles eram lisos, sem qualquer indício de órgão sexual. Só mais tarde fiquei sabendo que o sexo daquelas crianças com asas preocupou, de fato, e muito, os doutores da santamadrigreja. Quase sempre os calendários têm sido impostos, ao longo da história, pelas religiões. Apesar dos esforços dos astrônomos, ele é, no fundo, uma convenção política. O imperador das Ilhas Quimeras pode, por exemplo, decretar que, em seu reino, o início da contagem de tempo deve coincidir com o nascimento de sua filha caçula e, toda vez que lá nascer uma princesinha, volta-se ao ano um, ou zero...

Tudo convenção! Um ano de 365 dias e alguns quebrados, que ficam sabe-se lá onde, a espera dos bissextos, um mês de 28 a 31 dias, ou seja, que variam de 4 a 4,4286 semanas etc. Depois, a convenção mais arbitrária: escolher uma data para começar a contagem e decidir se o ano escolhido será o um ou o zero... Apesar disso, o tempo flui e é preciso acabar este lero-lero para que ele possa chegar até você.

 

Publicada Quarta-feira, 30 de junho de 1999

 

 

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