Foi amor à primeira vista. João amava Joana que amava João que a amava demais. Tanto e tanto que, depois do tatibitatear dos primeiros encontros, lhes pareceu impossível qualquer desencontro. E foram um a ponto das palavras se tornarem supérfluas. Depois, raras e, por fim, se bastavam em corpo e olhar. Dois ninguéns para o mundo, mas o mundo inteiro para o outro.
Um dia, quando Joana saía às compras, soou o primeiro gongo no amor perfeito. João: 'assim decotada e com esses pernões de fora?' Ela sorriu, se ajeitou, beijou-o e foi, mas nela ecoava aquele gongo. Assustado, João divisou no horizonte um senão àquele amor ao mesmo tempo em que ela, cercada de lojas, constatava o minguar do prazer do bisbilhotar e comprar. 'Ciúmes? Dela!?! Era muita ousadia!' E nas vitrines os mimos perdiam o fulgor. Desta primeira gota, cresceu como fungo o desencontro. Em cada um surgiu um outro e se estranharam nas descobertas destes - o tom de voz, um pedido em hora imprópria, cobranças inéditas, a falta da ajuda óbvia, o negar o que nem seria preciso pedir - pequenas coisas sem importância, antes inexistentes ou nem percebidas, agora engendravam outro João, uma Joana outra. Aos poucos, fenecia o encantamento. Mas, se muito os repelia mutuamente, outro tanto ainda os unia pelas brechas que todos conhecemos e calamos - João e Joana se locupletavam de gozos. Foram-se a intensidade das primeiras emoções, o calor dos primeiros tremores, o descobrir-se beijo a beijo, a eloqüência de olhares cruzados - venciam os novos sabores. Calada desde os tempos do dinheiro na caixinha, cogita a barata em sua fresta: João é o governante e Joana, a população. Não raro, em conluio, sucumbem ao vício - quer o chamemos de malefício, quer de benefício - e, dele escravos, chafurdam e se lambuzam nos impublicáveis... |
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