Crônica do dia |
O reflexo dourado nas teias de aranhas se superpõe em perspectiva e o espaço se avoluma em hachuras desta cor. Hoje, cada brilho parece brilhar mais, depois do espetáculo da tarde de ontem, uma formidável tempestade de verão no infante outono. Lavado, o dia raiou límpido e imóvel do lado de cá do fim do mundo. Procuro o mais leve aceno de uma folha - nada! O ar parece comprazer-se de ficar onde está. Ontem, todavia, folhas passavam céleres, em trajetória quase horizontal a anunciar o temporal prestes a desabar. A ventania provocou correria pelas teias, mas era difícil entender o intento das aranhas. Algumas foram varridas de suas teias com parte delas. O primeiro sinal da tormenta, todavia, coube ao cão. Sinal inequívoco da mudança de tempo, ou melhor, das trovoadas que o prenunciam é a mudança no comportamento do cachorro: seus ouvidos as detectam bem antes que os nossos. Não falha - logo se escutam os primeiros estrondos. Antes disto, a roda dos horizontes mostrava inequivocamente a direção de onde chegaria a tempestade: o sol ainda destacava a paisagem, e mais contra o negrume dos céus a leste e nordeste. Logo as rajadas mais fortes riscaram o ar de folhas e as flores pesadas da paineira choveram mais cor-de-rosa no chão. A água veio de mansinho mas, depois, desabou com força para, em seguida, ecoar sobre as telhas como granizo. Aqui, chegou gelo miúdo, pedras de três ou quatro milímetros. Na chuva forte, cada aranha se pendura por uma única pata em sua teia e pende na vertical ou inclinada na direção do vento. De repente, foi-se a eletricidade. Do lado de cá do fim do mundo isto é quase certo nas chuvaradas - tem muita árvore e muito fio suspenso em uma teia absurda. Hoje, o céu está velado, azul pálido, mas a luz tem outra qualidade e, conforme o ar se aquece, folhas começaram a acenar, de leve. |
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