Três Mulheres

20/09/97

É uma cidade feia. Não está longe o suficiente de um grande centro para ter cara de cidade do interior nem perto, para ser satélite na região metropolitana. Ficou mais perto, com novas estradas e veículos mais velozes, mas ainda está longe para virar mero prolongamento. Ficou feia, híbrida - não é, nem deixa de ser. Tem grandes agências de bancos e grandes sítios que produzem verduras e ovos para a metrópole. Tem ruas estreitas e mal calçadas, com muitos calombos para evitar o abuso de velocidade dos motoristas. As calçadas são muito estreitas, e as pessoas se espremem quando passam umas pelas outras. Há uma rua na cumeeira do morro, mais ou menos plana. As outras todas descem por uma ou outra vertente e são sempre ladeiras. Não há uma grande praça; somente, diante da feia igreja, um alargamento, como um mirante, de onde se vê a estrada, os morros distantes e mais.

A mulher atravessou a rua principal no mesmo intervalo do fluxo de carros, produzido pelas sucessivas lombadas, já que não existem sinais luminosos por ali. Trazia, pela mão, uma criança que ainda não devia ter três anos. A mulher, aparentava certa idade e tinha a pele muito clara. A menina - pois parecia uma menina a criança - ao contrário, tinha uma bela cor morena, uma enorme chupeta na boca e, amarrado à chupeta, um longo pano - pareceu-me uma dessas antigas fraldas, que supunha já não existirem mais - que caia de um lado e de outro, com as pontas na altura dos joelhos. Vinha quase arrastada, pois a mulher andava mais rápido do que conseguiam as perninhas da menina. Ela me viu e passou a olhar-me com toda atenção. Passaram e a menina virou-se para continuar a me olhar.

Olhava no rosto. Era o meu olhar também, é óbvio, que a interessava. Não me olhou de alto a baixo, como faria um adulto. Nem viu nem daria importância ao fato de eu também calçar sandálias havaianas, como a mulher que a levava pela mão. Olhava intensamente e não mudava sua expressão, apenas olhava. E eu olhava também. Diminuí meus passos, para criar uma certa distância, já que seguíamos na mesma direção e a menina andava para frente e olhava para trás. Aí acenei. Ela acenou de volta e abriu um imenso sorriso, pela primeira vez, atrás da chupeta. Continuou a andar e a olhar para mim. Sorria. Depois do primeiro, olhava e sorria, como uma luz. De vez em quando, acenava e eu respondia com outro aceno. Parei ao lado de um pequeno ipê, todo amarelo de flor. Elas pararam um instante para conversar com outra mulher, que vinha ladeira a cima. Já havia uma boa distância entre nós.

A mulher que vinha subindo era mais jovem, feia, toda vestida em função de realçar o corpo, com dois terços das coxas à mostra e cabelos afogueados. A menina continuou, apesar da distância, com seus olhos parados em mim. Depois as duas, a mulher com a criança, sumiram por uma entrada de vila. A outra, dos cabelos alaranjados e minissaia, seguiu seu caminho. Atravessou a rua, ao perceber vários homens sentados num degrau, provavelmente descansando, entre a refeição e o próximo turno de trabalho. Ao vê-la passar, mesmo do outro lado da rua, os homens gritaram várias grosserias, alheios ao fato de ser feia. Respondiam, apenas, à provocação de seus modos de vestir e andar. Ela seguiu, fingindo não dar atenção e virou a esquina.

Segui meu rumo e deixei para trás a cidade feia, as três mulheres e os homens grosseiros. O olhar daquela criança continuava a me olhar. Acenava com a possibilidade de um mundo feito apenas de amor. Sonho que dorme, mais raso ou mais fundo, em cada um de nós. Na senhora que puxava a criança pela mão, na mulher que cumpria um rito imposto por costumes e se exibia como mercadoria sexual, nos rapazes que gritavam propostas sexuais no meio da rua, cumprindo também os costumes, para se afirmarem como machos, principalmente aos olhos dos colegas. Mais uns minutos e teriam que voltar aos seus escritórios desumanos, seus afazeres rotineiros, sem qualquer possibilidade de amor. A mulher feia também seguiria ouvindo provocações e sem poder entender nem o sexo nem o amor. Provavelmente, numa busca desesperada, cheia de desilusões e de sofrimento, esquecida de que foi uma menina de menos de três anos, andando pelas ruas com uma enorme chupeta, capaz de olhar um estranho e amar...


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