ident. Secretaria de Participação - out 1986

retrato de uma carteira funcional de 1986

Policarpo e Alceste

14/03/19

[continuação]

Como Alceste continuasse muda e com cara de espanto, Policarpo estendeu seu discurso no embalo daquele momento a lhe parecer clarividente.

desenho de Sandra Abdalla presenteado a Rafael Kubrusly
desenho de Sandra Abdalla presenteado a Rafael Kubrusly

— Percebe? — perguntou com certa ansiedade — se um animal dispõe de superabundância de alimento e come além da saciedade e em consequência engorda além da obesidade mórbida, decreta a própria morte, pelos efeitos colaterais à obesidade, não é mesmo? Esta a beleza do projeto da Natureza: o conjunto de todos os semelhantes daquele indivíduo não se verá ameaçado por muito tempo devido a um sugador inveterado de comida.

Alceste respirou profundamente e sorriu. Parecia começar a concordar com as lucubrações do companheiro, que esmiuçou:

— Já no organismo social não existe essa salutar morbidade pelo acúmulo de bens e dinheiro (a mesma coisa, é óbvio, pois um se converte no outro). Como poderia a estrutura das sociedades humanas estabelecer um controle automático do enriquecimento individual e excessivo, similar ao existente nos processos naturais? That is the question!

Um incômodo silêncio se fez. Alceste olhava com ternura para Policarpo. Este, como que exaurido por um esforço excessivo contemplava a companheira com um olhar distante, como quem olha e não vê. Perdia-se ainda na própria enxurrada de palavras em torvelinho.

Quem rompeu o silêncio, que já começava a incomodar, foi ela: "a mim parece que o organismo social, durante milênios, aprendeu a sobreviver, mesmo com artérias entupidas, a respiração entrecortada, o coração aos solavancos, o fígado dilatado e pondo os bofes pela boca." Policarpo arregalou os olhos fixos na companheira. Ela prosseguiu: "Por causa disto, os malefícios decorrentes do excesso de riqueza, de um de seus membros, é incapaz de exterminá-lo sob o peso de suas posses, como um indivíduo fina-se pelo acúmulo de gordura."

Fri, 15 Mar 2019 09:46:06 -0300

Oi, Clôde

Desculpe o silêncio recente. Cabeça cheia de problemas na Granja, árvore caindo, enchente... e outras coisinhas mais...

Adorei Policarpo e Alceste. Mais uma ou duas nesse rumo, vale um conto para publicação!

Bjs
Ana

Oi, Ana.

É verdade, seu terreno é às margens de um riacho! E a quantidade de água que caiu não foi brincadeira.

Levei algum tempo para aprender que as árvores devem ter um círculo, com raio igual a sua altura, de terreno livre ao redor. Já era tarde e, ademais, não sabia calcular a altura futura ao plantá-las...

Não se desculpe, leitora mais assídua. Espero que você tenha percebido tratar-se de uma continuação: começa na crônica anterior.

Boa sorte com os reparos. (Acho que ainda tenho telefones de um especialista em remover árvores derrubadas, se quiser.)


Fri, 15 Mar 2019 11:55:06 -0700 (PDT)

q desenho maravilhoso!
sandrinha

gosto do paragrafo final ...

      sem assinatura

Eu também adoro essa ilustração. Se não me engano foi feita para o Jornal da Tarde. Sandrinha é fera.

Ainda bem que acertei em pelo menos um parágrafo!


Fri, 15 Mar 2019 15:56:11 -0300

Ai ai ai... Tenho mesmo que aprender muita coisa com sua infinita cultura... Cada vez que leio um texto seu me sinto menos que uma formiguinha miúda...

      sem assinatura

Como diz o provérbio, cada macaco no seu galho...

|home| |índice das crônicas| |mail|  |anterior|

2458557.10140.1876