Há muito, tenho para mim que o nono e o décimo mandamentos do decálogo de Moisés são, na verdade, um só - ou seja: os dez, celebrizados pelo força de propaganda das religiões e Hollywood, não passam de nove. O décimo, teria surgido do desdobramento do nono, quando não deu mais para tratar a mulher como um item a mais no rol das posses de um homem. Ficou um para cuidar da cobiça à mulher do próximo - aquela que Primo Nicolau, chama de "a próxima" - e o outro continuou a assinalar o pecado de cobiçar o resto: camelo, jumento, ouro, trigo etc.
Depois, o requinte dos legisladores delineou a mulher como um tipo de escrava e objeto de uso sexual, segundo os interesses e taras dos que detém o poder, inclusive, de elaborar leis. Nossa Justiça é essencialmente masculina. Uma justiça feminina poderia ser, surpreendente, incompreensível e, até, engraçada, às vezes.
Nada mais natural, pois, que o grito de revolta, o clamor por liberdade e direitos iguais, que levou o mulherio às ruas no começo dos anos sessenta. Num primeiro momento, parecia que o sutiã era o grande vilão. Muitas exibiram seus seios como uma afronta às instituições. Tudo bem, nunca achei que a função primeira da vestimenta fosse esconder partes do corpo declaradas impróprias à contemplação, mas eram tempos de erupções sociais, bem diferentes da estagnação deste fim de milênio.
As saias tinham feito sua escalada, centímetro por centímetro, perna acima. O biquíni seguia seu curso rumo ao fio dental, consagrado nas praias cariocas enquanto em outras, européias, a parte de cima era banida de vez. Parecia fácil derrubar um tabu sem criar outros, ao mesmo tempo...
O movimento feminista queria a igualdade dos sexos. Em pouco tempo o slogan se confundia com igualdade sexual. Mais um pouco e alguns já não percebiam a existência de dois sexos. Até hoje os ecos dessa deformação se fazem ouvir em notícias de técnicas para engravidar os homens...
Houvesse uma Freud mulher, não a filha de Sigmund ou qualquer outra, que apenas carregue seu nome, uma filha espiritual do pai da psicanálise, e já teria apontado, em oposição ao complexo de castração, um complexo de falta de útero - deve haver um nome específico para a remoção do útero, que se aplicaria ao complexo - este, exclusividade do machos. Basta olhar em nossas praias: os ventres mais volumosos, as grandes barrigas, não estão em corpos femininos, mas nos barbados.
O complexo teria na bolsa outro indício. Se, por um lado, só os marsupiais a têm, o que sugere um projeto posto de lado pela Natureza, entre os humanos, até pouco, era usada quase exclusivamente pelo belo sexo. Com o auê feminista, muitos homens tentaram aderir ao hábito e pôr numa bolsa as miudezas, em vez de distribuí-las pelos inúmeros bolsos da indumentária masculina. (Já teve curiosidade de contar quantos bolsos há numa calça clássica de homem? No mínimo seis! E num paletó? São sete.) Quer dizer: o cara com terno e gravata, típicos, já começa com treze bolsos! Se pegarmos ao pé da letra, terno implica ainda mais dois, do colete - os afamados bolsinhos do colete! O máximo que se conseguiu como hábito dos machos foi o uso dessas bolsas atadas por um cinto, que levam junto ao abdome o volume das quinquilharias. Assim, torna-se possível aos que não tem o ventre avantajado por hábitos do comer e beber, obter a silhueta de gestante através da bolsa!
As perguntas são simples e as respostas também. Por que as mulheres não usam esse tipo de bolsa? Por que a maioria dos homens prefere levar as tralhas nos bolsos, e as mulheres não?
Porque apesar de todos os esforços para igualar, os sexos são diferentes - se não fossem, não seria preciso haver seres de um sexo e do outro e nos reproduziríamos por brotamento, talvez! - e o comportamento da mulher e do homem, em relação à aparência, é mais que diferente, é complementar. Colocar coisas nos bolsos interfere na "silhueta", coisa que não parece preocupar muito os homens...
Publicada em 29 de março de 1999
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