cronista em desenho de Vicente Kubrusly (29-05-78) 

À deriva

15/05/09

Vai maio em meio e já se vaticina uma primeira massa de gélidos ares desgarrados do pólo agora eclipsado de toda luz solar e das radiações de energia dessa estrela de quinta grandeza a alimentar toda vida e fazer da tênue película deste planeta a maravilha e o deslumbramento difíceis de contar.

Nela, a biosfera, entre tantos seres a nascer e morrer, uma espécie singular causa espécie e sobressai em meio à vasta profusão de formas de vida: destaca-se aquela a quem coube, ao que parece, romper e corromper o equilíbrio de toda a engenharia do que se pode perceber.

Agora, meio de maio, chove por aqui uma chuva titubeante, talvez um eco desgarrado do lento processo de transformar o sertão em mar e fazer de todos os mares, sete ou quantos sejam, áridas caatingas nos fundões dos sertões.

Apesar da umidade do ar perto da saturação e da espessa camada de nuvens deixar, agora, dez e meia da manhã, uma luminosidade cerca de trinta vezes menor que a de um dia ensolarado, grilos cantam e pássaros fazem canora algazarra do lado de cá do fim do mundo.

Vai maio em meio e, se não esta agora anunciada, virão outras massas de ar gélido a inibir a vibração de toda vida. Aliás, ocorreu-me uma pergunta idiota: ficariam mais próximas umas das outras as moléculas, quanto maior for o frio, na tentativa de se aquecerem?

Zumbe um helicóptero muito longe como vespa abominável, o zumbido cresce, passa e se afasta sem que os grilos mudem a monotonia de seu guizalhar. No ar parado, folhas só se movem sob um pingo eventual e as gotas sobre folhas enceradas luzem com diamantes espetaculares. O bem-te-vi entoa um grito de 'eis-me aqui' e outros respondem com um 'olhe-me aqui também'.

Vai maio em meio rumo a junho com seus balões e quentões e a preparar julho com as revoadas de gentes e temperaturas insuportáveis.

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