A revista semanal traz várias páginas com propaganda de um parque de diversões. Em cada uma, repete o slogan: diversão é tudo neste mundo. Não são precisos se a referência é ao planeta ou ao mundo dos vivos. Poderia ser a algum mundo lá deles, em particular, como a todo o universo também. Continuo perplexo e releio para acreditar: diversão é tudo neste mundo. Não estranharia se algum leitor estivesse perplexo também, com a minha perplexidade. Dona Sabrina já me cochicha aqui: é claro, eu, por exemplo, só quero mesmo é me divertir. Quem dera pudesse me divertir as 24 horas do dia, ou trinta, como no dia daquele banco. Pra que se aborrecer? O negócio é se divertir... Outras vozes se alevantam para fazer coro com a amiga Sabrina e dizer louco o cronistaprendizpor questionar algo "tão inofensivo" e "cheio de boas intenções". Afinal, que mal há, ou pode haver, em se divertir?
Criemos, juntos, então, leitores e leitoras, Adelaide uma leve e sorridente personagem que existe apenas para se divertir. Para ela, parte do mundo é um circo e a outra, um parque de diversões. Ia, pois, Adelaide com um grupo de palhaços e meia ala da Beija-Flor, rumo à Roda Gigante, saltitante e feliz, pois não precisava filosofar sobre ser ou não ser diversão tudo neste mundo e tampouco cogitava sobre os outros, pois o simples cogitar já ameaça o divertir. Subia a roda e descia e Adelaide se divertia. Depois de muitas viravoltas e risos, ao descer daquela espécie de cadeira a balançar, Adelaide sentiu dois olhos pousarem, de leve, nos olhos seus. Eram olhos um pouco cansados, de quem muito viveu, eram os olhos do funcionário encarregado de engrenagens e máquinas, que punham a roda a rodar. Ele segurava uma alavanca grande - o freio, deveria ser - e, nesse instante, seus olhos roçaram o brilho dos de Adelaide, como algumas aves o mar. Diga-se que, depois desse beijo, um simples beijo de olhar, seus olhos seguiram a moça, que para sua grande surpresa, parecia flutuar...
Continuemos juntos, leitoras (creio que, a esta altura, os leitores já desistiram...) juntos, a emprestar vida a nossa Adelaide, para ver como ela se sai em sua roda-viva. Ela, que seguiu saltitante com novo bando de foliões. Entre os quais, um pierrô, tristonho como convêm, que provocou a menina, por ter posto reparo no olhar... Nos olhares - disse ele - quando você olhou, também vi... e o seu olhar, graciosa, não engana nenhum pierrô... Que tal, leitoras, aqui, darmos a nossa personagem um súbito e leve rubor? Os outros mascarados, ao ouvirem o pierrô, puseram-se a falar todos de uma só vez, com muita algazarra e saltos, pompons, plumas e tudo mais: diversão é tudo neste mundo! Vem, Adelaide, vamos nos divertir! Você sabe, garota, diversão é tudo neste mundo! Sim - ecoavam outros - tudo neste mundo é diversão!
Assim, o bando foi às cocacolas e pipocas, com garrafinhas inconfessáveis escondidas nos bolsos das fantasias e, talvez, "otras cositas más". E Adelaide aceitou o papel: tudo pela diversão, que é tudo neste mundo! De volta à Roda Gigante, fingiu-se de apaixonada pelo tal do funcionário que punha a roda a girar. As cenas seguintes, leitoras, são aquelas que não sei contar. As cenas que todas vocês, podem imaginar melhor do que eu. Mudou o adjetivo da roda, de gigante, ficou estonteante, delirante, louca. E cada palhaço com seu instrumento, não parava mais de tocar. A platéia delirava com fachos e luzes e cores que giravam a imensa roda de Adelaide e seu par. Giravam em rodopios, trapezistas sem trapézio, e até pareciam, de fato, poder voar. A platéia maravilhada, bailava com os dois a bailar e comia mais pipocas, pra tanta emoção aplacar. E quando, de mãos dadas, no meio do picadeiro, na encruzilhada de todos os fachos, curvaram-se para agradecer, agradecer e cumprimentar, o bando de foliões, os arquitetos da farsa, pularam também na arena e começaram a zombar..
Zombavam do funcionário, por poder ele acreditar, que uma flor como Adelaide caberia a um reles colher... A turba no entusiasmo, queria circo e pipocas, seguia como rebanho, marchava como soldado. Dos aplausos e acenos do bailar de corpos e braços, passava à zombaria, e a tudo mais passaria. Os donos do circo e seus megafones repetiam de quando em quando: Diversão! Diversão! Diversão é tudo neste mundo! Aí, leitoras que resistiram e ousaram chegar aqui, é hora de fazer o funcionário buscar desesperadamente os olhos de Adelaide, ou não? Seria sua última possibilidade, aquilo que dizem, a tábua de salvação. E ele busca os olhos da amada...
E Adelaide, com uma terrível gargalhada, explica
para o infeliz: diversão é tudo neste mundo!
Só importa divertir-se. E a risada diabólica
de Adelaide ecoa e rege a multidão que se diverte e come
pipocas, alheia ao corpo morto no chão.
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