Advertência

Para você...     
você também.     


Milhares e milhares de imagens surgem assim cada noite para dissiparem-se quase que imediatamente, envolvendo a terra num manto de sonhos perdidos. Tudo, absolutamente tudo, foi imaginado por tal ou qual cérebro e esquecido.
(Luis Buñuel)

Disse outrora uma feiticeira vivida de muitas encarnações, ser toda mulher um pouco uma bruxa, um pouco fria e muito capaz de muito mentir. Eu, de mim, o creio e constato no conviver com as mulheres em geral e com aquela que habita cada homem - alma, ânima, psiquê, sei lá o quê - em particular.

Têm elas tal poder sobre os homens - sejam os mais brutos, baixos e ignorantes ou os mais nobres e sábios, os melhores entre nós - que se torna evidente o pacto de cada uma com algum deus ou Satanás.

Bruxas são e frias também. Não digo do corpo, é claro, pois ele apenas responde como instrumento musical cuja melodia depende de dedos, lábios e língua. Do jeito hábil de soprar a embocadura ou beliscar a corda certa, certa hora em certo lugar. Falo da mente fria, adequada ao calcular. Não cálculos, por exemplo, da atração universal (embora elas possam atrair como Newton jamais calculou) ou cálculos de geometrias com os mistérios de certas áreas, relações de volumes e segmentos que são de ouro. Tão pouco de toda relatividade dos cálculos onde massa, forma e corpos até, dependem de referências relativas ao tempo também.

É o cálculo das cartas marcadas, coringas do jogo da vida ou cartas das geografias de meandros, atalhos, volteios - rendas de mil armadilhas da rota de cada um - que faz dessas bruxas tão doces, calculistas frias também. E nessas artes que praticam sem querer, por pura e simples intuição, agem tão à vontade tudo fluindo tão natural, que penso se não é apenas a Vida não querendo deixar de ser.

E por fim, faz parte do jogo, também o saber mentir, arma tão útil e eficaz nessas naturezas encantadoras e imprescindíveis, que se lhes tornou prescindível a couraça rija de músculos, para grande proveito das formas macias e arredondadas, pródigas em perfumes e vapores soporíferos de tal forma poderosos que, ao longo do tempo, têm derrubado impérios inexpugnáveis, derrotado imbatíveis guerreiros ou ensandecido os filósofos mais lúcidos, os artistas mais loucos e os mais místicos santos. E pôde assim a Natureza reservar seus corpos e ventres para outras labutas mais prazerosas e úteis que o ato banal de descolar o que comer.

Ora, sábios cheios de sabedoria asseveram que há em mim uma tal metade mulher. Metade? Um quarto? A dízima ou duodécimo de meu ser? Em resumo: uma fração ordinária -a fração e não a mulher! - e dela tomo emprestado as artes feiticeiras, a alquimia do mentir, misturando em fornos, cadinhos, retortas e coisas assim, o enxofre vermelho, o espírito corrosivo do chumbo, outros vapores e águas vitais, para compor este relato com a malícia de contar como se fosse, aquilo que nem sempre é.

Submeto, pois, humilde, para emenda e julgamento à sabedoria incomensuravelmente maior de cada uma e de todas que foram, são ou poderiam ter sido imagem, sombra ou projeção desta parte escondida de mim, o fruto que tecemos juntos: eu, você e você, sem desprezar por pequena, as artes e manhas de todas vocês.

Há quem diga que os fatos aqui registrados são plágio da vida, são fatos reais. Talvez. Agora, não me venham perguntar o que são fatos reais. É real, por exemplo, o fato de estar eu, agora, deitado nu ao sol e no embalo de uma rede de televisão estendida por satélite à sombra dos coqueirais, na praia quase deserta, pois decerto deserto algum praia nenhuma tem? E se olho o mar e vejo sua tonalidade rosada, é fato e verdade, que posso explicar essa cor porque havendo tantas e tantas mulheres há sempre um excesso de menstruação? E seria verdade verdadeira que a Lua é um sputinik dos deuses quando não passavam de astronautas, mas isso já faz tanto, tanto tempo, que ela agora nos parece natural? E por tudo isso é bem real que esse baseado é relatado com fatos do mais fino linho holandês ao vento dos velhos moinhos que levam a jangada pro mar, aquele que quando quebra na praia é bonito, bonito - bonito demais arrodeado da areia branca da lagoa escura. Morena Rodrigo de Freitas, garota de Ipanema, Brasil. Daí, qualquer coincidência talvez seja, talnunvez.


quem segue quem?


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