Águas Paradas
É um momento de vácuo.
Destilada por Deus ou o Diabo
No caldeirão do corpo ou da alma,
Alguma droga ou poção
Acabou por me anestesiar.
Perplexo, me percebo distante das paixões:
Sonâmbulo, vivendo num mundo de sonhos,
Só que não há, aí, sonho algum.
Apenas o vácuo,
Vazio de riso ou de lágrima:
O risco seco da boca,
O olhar parado dos loucos
E a inércia macunaímica.
No entanto, há um sentimento
Mais brando e distante de amor.
Vácuo silencioso e azul.
Por que azul? Não sei, mas azul.
Tudo muito distante
E não há energia alguma
Em busca de nada ou lugar.
Apenas a Morte. Morte do sofrimento,
Que mata alegria e prazer.
Tédio? Talvez...
E sonos vazios e noites insones.
Até os sonhos me abandonaram!
E faz frio e é verão.
Nem o sol, nem o céu, nem a lembrança do mar
Ou a surpresa de mulheres belas
Ou a carne das mulheres jovens
Ou sorriso de mulheres puras
Ou desejo em olhares lânguidos
Ou o brilho das mulheres sábias
O sabor, o perfume, o contato -
Nada! Nada mais me dá tesão.
Prostração? Hibernação?
Lutar contra a tempestade?
Riscos de luz unem nuvens tenebrosas.
Os ventos são frios e quentes
E sopram sem direção,
Assombrando fantasmas perdidos,
Pensamentos petulantes de um sonho ancestral
E o vazio de um momento
Tende para o infinito
Na eternidade do nada.
Nenhum ódio. Nenhuma mágoa. Nenhum rancor.
Constato impotente a morte prematura
De toda emoção por nascer.
A pele sente
O sopro morno de areia quente
Impregnado de velhas maresias.
Consciência intuída e não sabida
De algo apenas pressentido,
Que jamais se vai desvendar...
O olhar inerte vê o anjo inclemente
Com a espada certeira sobre Laodicéia:
Vômito repugnante da virtude mediana,
Da justiça insípida de partes iguais.
O quadro torto na parede
É justo para os olhos que o olham
De esguelha, tortos também.
Repúdio irracional à elegia
Do que não fode nem sai de cima.
É um momento de vácuo,
A estagnação das águas
No fundo do vale, afinal.
Lagoa límpida por um instante.
Mas o lodo decantado esconde o germe da putrefação.
Nuvens rápidas mudam a face das águas
E prometem e desmentem novos temporais.
Silêncio.
Parênteses vazio
Para explicar o texto inútil
Que já terminou.
SP 25 DEZ 87