autoretrato

A lagartixa e o bem-te-vi

10/09/07

O que primeiro me chamou a atenção foi o som. Ouvi batidas ritmadas, procurei e nada encontrei. Pica-pau? - pensei. Não, não era o som seco e forte de pica-pau. Procurei mais e dei com um bem-te-vi, num galho quase horizontal, de um pinheiro no terreno vizinho, a uns dez metros de onde estava.

Pousado à sombra, ele segurava firme no bico, algo que batia sem descanso contra seu poleiro. Batia forte e, de longe, me pareceu que, de tempos em tempos, conferia se era preciso continuar. Era-me difícil identificar o que tanto interessava à ave. Pareceu lagartixa, achei que dava para perceber perninhas mas, fosse o que fosse, não parava quieto, surrado insistentemente como roupa em pedra, por lavadeira em margem de lagoa. Depois, achei que fosse uma cobrinha, bem pequena. Difícil saber daquela distância.

De repente, talvez porque um pouco de sol chegou àquele ramo, talvez por cansaço, a ave voou para outro, em outra árvore, mais jovem. Local mais alto e mais sombreado. Melhor para ela, sem dúvida, pior para quem não tinha óculo nem binóculo e não queria arredar pé.

Olhei e olhei. Não podia me aproximar mais. Ele, o bem-te-vi, macho ou fêmea, lindíssimo, parecia incansável e batia com a presa contra o galho com toda a energia de seu pescoço. Pareceu-me ver sangue, mas deve ter sido auto-sugestão - sangue de répteis é vermelho como o nosso? Também achei, outra hora, que a presa estivesse em frangalhos como roupa esfarrapada.

Devo ter ficado entre cinco e dez minutos à espera do desfecho da cena. Talvez mais. O pássaro bateu e bateu, com sonoridade sua vítima contra o chão - para ele aquele galho de pínus o era, ali - até que eu desisti, ele não.

Afastei-me a pensar que sempre deveríamos cuidar para que o que comemos não nos coma as entranhas... Em todos os sentidos.

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