A vela vai acabar e, se a vela acabar, tudo pode acontecer. Acendi
uma vela para o santo. Como não tenho nenhum de minha particular
devoção, tampouco de qualquer outro tipo, acendi
para Santo Anônimo. É que o maldito janelas, do senhor
Porteira, está com dor de barriga. Quando menos se espera,
estampa na tela uma mensagem de filme de terror. Sei lá
quem cometeu um ato ilegal e será punido. Fica nas entrelinhas:
dane-se você e o seu trabalho. O senhor Porteira é
implacável com os fora-da-lei. Não dá a menor
chance de diálogo, a única coisa que funciona na
maldita tela é um "botão": FECHAR. E o
dane-se, dona Sabrina, entenda-o como quiser. O sei lá
quem não deveria ter feito o que fez... Outros rompantes
das janelas informam que ocorreu uma exceção fatal.
Fatal? Meu deus, e o que farão com o cadáver? Outras,
falam de uma senhora suspeita, uma tal de Página Inválida
e há as que vêm cifradas, com minúcias sobre
o esvaziamento da pilha. Nenhuma fala do enchimento do saco...
Ontem, precisava entregar um trabalho. Dependia, para tanto, de
toda essa tecnologia orquestrada, aqui, pelas janelas do senhor
Porteira - coisa simples: era só enviar pelo correio eletrônico.
Percebendo a conjuntura psico-individual e o adiantado da hora,
quase uma da manhã, o microsoftware encarregado do despacho,
resolveu demostrar, como criança "exibida", todas
a mensagens de terror de suas entranhas. E eram muitas. Confirmaram
o que já supunha. O senhor porteira, contratou um roteirista
de filmes zê para tevê, para fazer os tais alertas.
Re-instalei o programa, alterei o registro, fiz o diabo. A mensagem
lá, com o trabalho pendurado. Negava-se a viajar. Exercitei
velhas palavras, há muito esquecidas, em gentilezas ao
tio Bill...
Toca o telefone. Uma amiga. Coitada. Ficou tão perplexa
com a minha fúria, que era incapaz de qualquer coisa, de
falar, de agir. Não desligou. Nada disse... coitadinha,
só escutou. Meia hora depois, havia sinais de recuperação
do equilíbrio psicológico perdido e mandei o Porteira,
as janelas e tudo mais... nem precisei mandar, eles foram, fiquei
de conversa fiada com a amiga, por uma hora, um pouco mais...
Quase três da madruga, tento mais uma vez e tudo funciona.
O microsoftware não me diz nenhum desaforo, e o trabalho
segue imediatamente. Parte sem dor. Horas depois, ao acordar,
o mesmo programa, traz algumas mensagens. Não respondi
a nenhuma - ressaca pura. Amanhã respondo. Mas voltam as
sincronicidades. Essa coisa fascinante de antenas que não
dependem de chips - não senhora, detesto batatinhas ensacadas
sem casca, dona Sabrina. Dizia: antenas que não dependem
nem de bytes nem de nada. Uma das mensagens explicava logo no
subject (ah, quanto nos moldam esses microsoftwares!) "Analfabytes".
Dela, tomo empretadas algumas linhas, mui esclarecedoras:
... eliminei o pior pedaço desse universo jurássico:
o manual de instruções. Concordo totalmente com
o Nicolas Negroponte: enquanto houver o tijolo do manual de instruções,
continuamos na pré-historia da informática. Ninguém
precisa ler o manual de um liqüidificador. E o com-puta é,
na verdade, um eletrodoméstico. E a existência de
todos esses sistemas que não se entendem nos transforma,
a todos, em cobaias da indústria. Cobaias que pagam para
ser cobaias. Tenho uma certa raiva de tudo isso. E utilizo esse
universo como ferramenta e nada mais.
Fiquei com inveja, confesso. Sábio correspondente: "ferramenta
e nada mais". Quero ser analfabyte! E, dizer isso lembra-me
Albert. Péra aí, não analfalbert, que quase
todos somos, nos enigmas relativos a Albert Einstein. Conta-se
que ao chegar a Nova Iorque, floresciam como novidade os anúncios
de néon. Numa grande esplanada, de onde se podia avistar
inúmeros desses reclames (palavra da época), pediram
a opinião do mestre: - o que acha? Ao que ele teria respondido:
"Belo espetáculo para um analfabeto." Eu, quando
crescer, quero ser analfabyte...
A vela se esvai. Obrigado, Santo Anônimo.