É pouco provável que você saiba o nome do
rodilho que os carregadores põem no cachaço, para
apoiar o pau, isso, quando fazem fretes a pau e corda. Chama-se
chinguiço. Eu também não sabia. Aliás,
continuo sem saber, mas podemos, juntos ir atrás. Não,
dona Sabrina, não precisa chamar a polícia. Chinguiço
não é nada disso que a senhora está pensando, tampouco
coisa de comer.
Esbarrei por acaso com a palavra, com o verbete, no dicionário.
Lia a definição e supunha não poder entendê-la
de tanto que me ria. Chinguiço! E lia outra vez. Você,
leitora favorita - minha ascendência árabe faculta
ter, como os sultões, uma favorita - deve estar imaginando
que fui pescar essa pérola em algum pai-dos-burros lusitano,
pois que cá, é usada e abusada a senhora cachaça,
mas poucos tiveram o prazer de conhecer seu cônjuge, o cachaço.
Muito prazer. Engano seu. Está assim, no brasileiríssimo
Aurélio, quiçá copiado sem mais delongas,
d'algum léxico de lá. Sendo assim, dize lá
mestre Aurélio, que frete é esse a pau e corda e
que pau apóiam os carregadores no que chamas de rodilho
e o pingo, isto é, o cachaço dize tudo mais que
mo puderes dizer.
É um hábito velho navegar nos mares do Aurélio.
Cachaço? A parte posterior do pescoço. Rodilho?
Pedaço de pano velho; trapo. Frete a pau e corda ele fica
a me dever. Pronto, dona Sabrina, pode chamar a polícia,
que vejo que fiquei louco de vez. Talvez meu leitor solitário,
tão só quanto o neurônio de uma... cala-te
boca, cala-te boca - talvez, esse leitor não tenha achado
a menor graça na definição de chinguiço,
sequer se diverte com o próprio som da palavra: chinguiço.
Ora, talvez lhe falte um pouco de tempo, sim, é jovem demais
para dispor dos elementos que permitem imaginar as cenas hilariantes
com chinguiço.
Houve tempo em que aqui, ao som do mar e à luz do céu
profundo, descansavam nas redações dos jornais os
senhores censores. Em sua onipotência paquidérmica,
divertiam-se em destruir, numa penada, horas de trabalho de um
pobre repórter ou editorialista. Normalmente faziam isso
quando a oficina já esbravejava por atraso com o pessoal
da redação - aí estava a graça. Não
havia mais tempo para nada! Nem para corrigir, nem para substituir.
Primeiro, saíam os espaços em branco. Mas os senhores
todo poderosos sentiram-se denunciados pela inédita mancha
branca na página, cogitaram que, obliquamente aquilo os
"codinominava" - expressão mui cara aos da tesoura
e por eles próprios forjada - pois bem, os codinominava
de manchas negras, e prefeririam ser míqueis, com toda
certeza. Isso mesmo dona Sabrina, míquei desvenda os subterrâneos
dos manchas negras, era o nome do filme.
Proibidas as manchas brancas, os jornais começaram a publicar
textos de ilibada reputação das famílias
em marcha com deus pela liberdade. Textos com carteirinha, atestado
de sanidade e firma reconhecida. Eram receitas de bolos, bulas
de medicamentos, poemas de Camões, de Pessoa, etc. Às
vezes, o tesoureiro... não, tesoureiro é outra coisa.
O barbeiro... também não, o da tesoura, cortava
apenas algumas linhas, as que julgava trazerem nas entrelinhas
grave ameaça à infatigável família
- não, não, la famiglia, na Itália é
outra coisa, dona Sabrina... ou, talvez não - ameaçando
a infatigável família, em perene marcha com deus
pela liberdade...
É aí que imagino a cara do censor se um repórter
mais moleque, trouxesse, como alternativa ao perigoso texto suprimido,
apenas isso: chinguiço é o rodilho que os carregadores
põem no cachaço, para apoiar o pau, quando fazem
fretes a pau e corda.
15