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Animais26/10/05De pequena tigela de plástico, azul forte, a menina tirava grãos para atirar ao bassê de pêlo cor de mel. No espaço exíguo de uma entrada de carro, com chão de caco de ladrilho vermelho, ambos pareciam cheios de energia e alegria. Ela usava vestidinho leve, cor-de-rosa, solto como o famoso vestido-saco da outra, "toda soltinha" que tinha "ao lado um cara fraco". Divertiam-se muito, atrás de grades feias do portão a tomar toda a fachada da casa, ao rés da rua. Defronte, outro cão, vira-latas com visível predomínio daquela raça, de bigodes, que aparece em garrafa de uísque, pequeno, adolescente talvez, olhava a cena, quem sabe de olho na ração. Cena encantadora. Parei. Foi quando chegou o morador da casa conjugada, igualmente pobre, que também se debruçava sobre a calçada, com uma chapa a vedar toda visão pelas grades do portão. Furioso, começou a esbravejar com o pequeno animal sem dono. Queria expulsá-lo dali. Gesticulava, gritava e batia com os pés no chão. O cachorrinho não meteu o rabo entre as pernas porque não o tem, se não me engano. Segui, para escapar dos respingos de ódio e parei adiante para ver o desenlace. O cachorro sem dono atravessou a rua em direção a um terreno vazio de casa e cheio de lixo. Parou, olhou para trás e começou a fuçar o lixo. O homem entrou na casa e bateu o portão. Eu já não via mais a menina. O ódio corrói o que odeia. O amor não se deixa perseguir. Anoitecia. Adiante, um pequeno gavião de dorso escuro e barriga clara, era perseguido por pássaros bem menores - sabiás? bem-te-vis? No lusco-fusco era impossível saber. Muito acima do fantástico balé de arremetidas e revezamentos voavam andorinhas. Desta vez o ninho se salvou, o gavião por fim desistiu. A noite veio abafada e quente. Bem ao lado uma cigarra começou a gritar com estardalhaço. Um barulho nada humano, muito forte. |
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