desenho de Lu Guidorzi
basta um clique! 

berro - a parte inútil da vaca
Publicação esporádica destinada a perder-se como berro de vaca que,
todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

 

Mistério e ponto

19/10/2005

Mistério de verdade, sem resposta, petrificado em esfinges desafiadoras. Mistério e ponto. Mistério, à Razão limitada, limitada à sua esfera, por mais que faça pose de Zeus-todo-poderoso do racional a disparar porquês como raios, para nos acuar em desvãos como cães apavorados com trovoadas.

A boca do palco uiva grito imenso! Grita a dor de séculos de tanto absurdo e no eco do uivo os spotlights se extinguem lentamente. As luzes morrem uma após outra e a sombra vira presença. E você, seja lá quem você for, ouve o grito ancestral e talvez se veja dividido - ou dividida - entre medo e um quase pressentimento. Entre latidos longínquos e o pio desconhecido tão próximo ou talvez apenas sinta vontade de rir sem motivo e ri, e muito, e loucamente sem saber porquê. E caído - ou caída - sem susto, nem perplexo mais (ou perplexa?), abre os olhos e vê. Vê estrelas pela primeira vez. Estrelas num fundo que já não é negro, tantas as estrelas. E novas estrelas surgem, mais e mais. Nuvens de estrelas. Algumas enormes. Outras tão minúsculas que somem e voltam: estrelas que piscam, piscam para você.

decifra-me antes que o próximo abra sua boca
decifra-me antes que o próximo abra sua boca

Sonhei com mar e com vaca, barcos, com gente e muita gente. O melhor, sempre, é o próprio sonhar ou se lembrar dos sonhos, que só existem se a gente lembrar. Acordei excitado - o sonho jogou uma morfina qualquer na minha cuca, ou sei lá o quê. Comi pastel na feira e fiquei a curtir cheiros: tem cheiro bom, tem cheiro ruim. A feira acabou e descobri um recanto num canto. O céu era muito azul e o sol varria tudo naquela manhã. Liguei: você estava chorando, ou quase. Mil rolos. Disse que ligaria ao meio-dia. O dia ficou cinzento, garoento, mas a endorfina do sonho ainda estava viva em mim. Você veio e te mostrei o recanto que o fim da feira a mim mostrou. Você gostou. Tinha dois namorados por ali e veio um cachorro e ficou a nos olhar. Esperamos de pé-pra-fora e tudo parecia ficar bom. A feijoada estava ótima - pelo menos nos pareceu e você disse que gostava daquele tempo assim: chuvinha, ventinho, cinzento! Viemos. Depois você disse: eu adoro você. Eu: também adoro você. É preciso sonhar ou pelo menos lembrar que é possível sonhar. Era setembro. Uma quarta-feira. Há dezesseis anos...

Mistério e ponto.

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