Slogan tem efeito entorpecente, como reza que se repete
O 'Diário Gaúcho' explica: |
Anoitece. Os pássaros calaram, já se aninharam ou acharam seus poleiros. Um canto rompe o lusco-fusco - uma cigarra inunda a imensidão. Parecem incompatíveis o tamanho do inseto e sua voz. Ao longe, sobrepõe-se o som de um helicóptero. Cresce, vem direto para cá. Passa muito baixo, talvez por existir um heliporto perto, talvez por estar o ar denso e imundo, a se poder ainda chamá-lo de ar. Nele, o sol se pôs antes do ocaso - sumiu num mergulho opaco em nada. Foi-se o helicopererê, como dizia a criança, com seu barulho de guerra, som que o deixa de ser para abalar a matéria em sacudidelas e oprimir o peito com infra-sons no limite da audição. O anoitecer sublinha outros limites. Apaga-se o mundo que o olho vê e se assanham sentidos esquecidos. Cada ruído cresce aos ouvidos e até perfumes parecem emanar de um céu que espera estrelas e se povoa de vultos imprecisos a propor fantasias, a cutucar sonhos adormecidos. No topo, acima de minha cabeça, meia Lua indica quarto crescente - ah nomenclatura! sempre me soou imprópria pois, para nós, humanos, é verdade o que os olhos mostram e, da Lua inteira, sempre vimos a metade e ela, metade, nos parece toda a Lua e, iluminada, é Lua cheia... Não se engane, as aparências enganam e o repetir este refrão sublinha a fé no que os olhos vêem, no que parece ser. A imagem reveste-se da aura de divindade e o testemunho ocular, fotográfico e similares pareceu aos tribunais prova irrefutável, verdade definitiva. Mas não se engane, aparências enganam. Hoje, quando se pode pegar à unha um pixel e subjugá-lo ao lhe impor tamanho, coordenadas, cor e luminosidade, fora qualidades que ignoro, faz-se do nada espelho do real e da realidade visual mentira mais verossímil que o real. Alguns grilos cantam. Serão mais no verão. Há trinta anos, pareciam encher a noite. |
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