A imperfeição distingue o Homem, é sua marca mais humana. A obra da máquina é perfeita demais e isto, exatamente esta perfeição, a banaliza. Erros são inevitáveis e eles, os inescapáveis desvios de um padrão da mão humana, as limitações do gesto e dos sentidos humanos, são estas coisas, justamente, que tornam divina sua obra. O produto da indústria, ao contrário, tem como sina a similitude e, nela, industrial e cliente até buscam esta característica de clone. Se, por exemplo, uma embalagem de batatas fritas sai com a cor um pouco diferente, por qualquer problema na gráfica, é bem possível que o freguês acredite sentir, nas batatas, um gosto diferente. Há dez anos contei a história de um piano, que afinaram com auxílio de computador, com precisão matemática, nota por nota, corda por corda, e algumas notas têm três cordas! Aí trouxeram um pianista para testar o resultado e... embora afinadíssimo, o piano tinha um som chocho, não enchia o ambiente. Veio um afinador de piano, humano, com nossas falhas e limitações. Afinou o piano, com sua chave, seu ouvido e seu diapasão, como todo afinador de piano. Voltou o intérprete e... o piano voltou a encher o teatro. Perplexos, cientistas mediram como estava afinado o piano que o afinador acabara de afinar. Para surpresa geral, estava ligeiramente 'desafinado'. Havia pequenos erros, principalmente nas notas de duas ou três cordas. Diferenças mínimas de uma corda para outra da mesma nota! Quando, com o auxílio da tecnologia, se punham todas cordas exatamente iguais, com precisão matemática, o som ficava chocho... Em nossa inveja infinita dos deuses, aspiramos a perfeição. Buscamos eliminar todo erro e deles nos envergonhamos, mesmo os mais bobos, como quando trocamos letras ou esbarramos na tecla do lado com nosso dedão e acabamos com uma palavra linda como favirota, hoje, minha favorita. |
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