- "Câmera!... Luzes!... Ação!"... e ela sorri. Eis a ação. Anterior a e independente de tudo mais, a apresentadora de televisão, quer venha nos trazer notícia, quer papo de donos de cofres, ela sorri. Antes e por nada, sorri. Sorri à lente que a fita gélida, sem lágrima ou piscadela, sorri sem por quê. Sorri. Nada aconteceu, nada justifica aquele sorriso e sua mensagem imprecisa - olá, acha que sou bonita?, ou, então, sorria também, quem sabe poderíamos sair mais tarde?, ou não passaria de um sorriso nervoso, a esconder outras emoções?, talvez seguiria um script macabro?, impossível saber! - no espaço e tempo cênicos, num vácuo precursor de bigue-bangue ela sorri. Quase como icto, lhe acomete o sorriso, gratuito e inexplicável. Pode ser que, em seguida, vá brincar com crianças, em seu papel idealizado de 'criança grande', conforme observou Schopenhauer, ou noticiar catástrofe monumental, uma desgraça cheia de vítimas. Antes, chegará o seu sorriso. Por quê? Imposição? Reação condicionada à câmera de televisão? Continuo a me maravilhar com o extraordinário poder de comunicação do rosto humano. Ele, mais que as palavras, traduz o âmago de cada ser. No caso do sorriso automático da televisão, às vezes se percebe por trás dele, sorriso, o verdadeiro estado da moça da tevê. Às vezes ela está tensa, visivelmente 'longe' ou até triste. Se nos detemos na imagem - desligue o som! - o rosto humano, com sua sutilíssima e quase indefinível mímica aparece como nossa linguagem primeira, a mais humana e inconfundível.
Ah, como deve ter sido útil quando, antes de se desenvolver a fala, foi possível ler num rosto as intenções do outro, ainda que ele se esforçasse para as esconder. Hoje, continua a ser, inclusive diante da mentira. Nós é que já não olhamos os rostos das pessoas como o fazem os bebês. - "Corta!" |
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