Caía a noite e a luz amarelada do poste já se igualava às reverberações do sol numa atmosfera carregada de nuvens sobre este lado do fim do mundo. O vôo de um pequeno pássaro me fez levantar o olhar, a pino, para o ver pousar num botão de flor de paineira, no extremo de um frágil ramo. Porém, com o pescoço virado para trás, minha atenção foi tomada pelas evoluções circenses de outro ser, muito menor - de uns três ou quatro centímetros, calculei - de destreza soberana na corda bamba. Contra um fundo ainda branco era impossível distinguir qualquer fio da teia, a uns três metros acima de meus olhos. O pequeno ser boiava no nada contra a luminosidade misteriosa do anoitecer e definia, com seus movimentos as formas de sua armadilha, tal como a ponta do lápis de um artista a desenhar no ar. Ora percorria retas, ora girava em perfeita espiral. Entre nós, esvoaçavam vários mosquitinhos.
Nisto, outro pássaro passou, em vôo rasante, rente àquele pousado no botão de flor, o obrigando num vôo, quase um salto, a pousar em outro botão, alguns ramos adiante. O brilho amarelado predominou nas superfícies brilhantes. De um velho pinheiro, memória viva da enfoco - Escola de Fotografia, pendiam três lianas viçosas, verde-claro, contra um fundo escuro. Ao prescindir do lenho para a própria sustentação e aproveitar tudo como suporte e trapézio, os cipós aprenderam a dominar e sufocar e parecem muito à vontade e bem sucedidos. Conquistam com belos desenhos o que conseguem alcançar. Num varal arrebentado e pendente em volutas, um deles esboça, com delicadeza, arabescos ao se ramificar. O pássaro, a examinar de uma lado e de outro todo esse tempo, mudou ainda uma vez de botão e, pouco depois, se foi. A aranha parecia fechar sua espiral. O predomínio da luz do poste e o apagar do céu impuseram a noite. Anoiteceu. |
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