Contou com mestria, em carta, um leitor, após um elogio à crônica: "curiosa coincidência: fui ao CineSesc no domingo. na saída, uma parede em homenagem ao gênio Federico Fellini - lindas e grandes fotos coloridas, vários filmes, várias cenas. e os olhos se embaçam: ali estava o meu professor, o mestre, o meu guia no mundo das imagens. o q me pegou pela mão e disse: vá se divertir trabalhando... seja um pouco palhaço, sempre." Tais palavras, agora, faziam baços outros olhos na comunhão que a grandeza da obra proporciona. Muito antes da WWW, a Arte tece redes tão ou mais largas que o mundo. E se o autor da carta se diz um pouco palhaço eu, que mal sei de mim, confirmo e o vejo se divertir muito a trabalhar ou, pelo menos, assim me parece. Fellini nos irmana - quem diria! - pois eu também o elegi "professor, mestre e guia no mundo das imagens" desde quando, ao redor dos dezoito e deslumbrado ainda por Dolce Vita, esperei, aflito, a primeira seção, às duas da tarde, no Cine Leblon, para assistir - não, mais correto seria dizer: para viver - o já famoso Otto e Mezzo. Na sala escura, depois dos preâmbulos de anúncios e trailers, começava a mais fantástica aventura que o Cinema me propiciou. A obra-prima fez desaparecerem sala, espectadores e tudo mais - sei da impossibilidade material, mas é real, em nós, a imagem feita por nosso cérebro do mundo material - e, personagem oculta no espaço e no tempo cênicos, não existia meu corpo na velha poltrona. Quando a tela afinal se encheu com a palavra FINE, continuei transtornado, perplexo, embasbacado na realidade felliniana. Algum tempo depois me levantei, saí da sala vazia e esbarrei numa multidão espremida na exígua ante-sala, pois desabava bendita tempestade. Era verão. Filtrei-me pela aglomeração e saí, sozinho, a lavar a alma na chuva. Ave Fellini! |
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