Dona Ediléia anunciou aula de Descrição e pendurou um cartão grosso que trouxera no prego da borda de cima do quadro-negro. Peguem os cadernos de Linguagem - disse.
A criançada pegou os cadernos de capa mole, horizontais, pautas azuis com um risco vertical vermelho à guisa de margem, à esquerda. No cartão grosso, a estampa de uma cena banal, bucólica: um vale verdejante, visto do alto em dia ensolarado. Desenho primário, cheio de estereótipos: um caminho que desce a encosta serpenteando. No fundo, um riacho, um pequeno lago e uma casinha isolada. Na encosta oposta, pastam bois e vacas etc. Todos começaram a pôr em palavras o que viam. Depois, entregaram seus cadernos à professora para que os levassem para corrigir.
Na aula seguinte, dona Ediléia trouxe os cadernos e as notas de cada um. Ao ouvir a sua, Noêmia chorou baixinho, mas calou. Ouvira dona Ediléia falar bem claro: Noêmia, zero. Quem falou foi a professora: Noêmia, eu quero que você leia sua descrição em voz alta, para a turma, para que todos entendam porque lhe dei zero.
Ela, com os olhos úmidos, leu: "Naquela casa moram um homem e uma mulher. Eles são muito felizes porque se amam. Eles moram longe da quitanda, mas plantam morangos, pêssegos, goiabas e tudo que precisam para comer. Não tem armazém, também, mas eles tiram leite das vacas e fazem manteiga e queijo e doce de leite..."
Estão vendo - interrompeu triunfante a professora - nada disso é descrição. Não descreve a estampa e eu ensinei a vocês que Descrição é para des - cre - ver - sublinhou cada sílaba -, descrever o que vemos. Noêmia só descreveu o que se passa em sua cabecinha... Ia no embalo de seu discurso, entusiasmada com o próprio desempenho, que lhe parecia muito didático, quando ouviu um soluço mais forte.
Em lágrimas abundantes, Noêmia chorou sem entender e sem ser entendida.
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