Teias em branco traçadas a bico de pena por gotículas tão pequeninas que sumirão ao primeiro raio de sol. Madrugada de neblina baixa, cães a ladrar e uivar em dueto com um pio forte de coruja, bem perto.
A senhora passou em sentido oposto com duas crianças e parecia ser mãe delas. Das três, apenas a menorzinha, me olhou mansa e curiosa, com olhar de bicho. Passei e, automaticamente, nos viramos, ela no carrinho que a senhora empurrava, para continuar a nos olharmos.
"Ternos olhares cruzados, / são corações que se beijam." Onde estariam os demais versos do poema de Ruy d'Aurélio, publicado há quase um século? Como eles, vão-se a pureza, a inocência, a beleza dos pequeninos, ainda livres de nossa contaminação.
Por certo o poeta deve ter-se inspirado em alguma bela moça e não em um bebê, mas também se beijam corações avulsos. Corações que, em encontro fortuito, se sorriem em mudo entendimento, que logo tudo se desfaz, some no pó do caminho, passos adiante.
Ruy d'Aurélio
Desfez-se também o poeta bissexto, que nunca foi Ruy nem d'Aurélio, como virou pó seu poema cujos versos órfãos há mais de meio século me encantam - na época, sabia toda a quadra de cor, talvez mais.
O bebê pode se tornar boa gente, pode vir a ser um facínora. Nenéns, muitos milhões de nenéns precisariam contar com uma mão apta para os ajudar nos primeiros passos. Mas a maior parte das mães não tem onde morar, o que comer, vestir e também não tiveram, elas, possibilidade de conquistar tal aptidão. Apenas lutarão para sobreviver, sem nenhuma chance ou tempo para entender seus bebês - a humanidade: os novos dirigentes, artistas, espertalhões, facínoras, para pôr etiquetas.
A toda hora surgem novas gerações de máquinas que a todos embasbacam e estimulam mais nossa cobiça. Que Humanidade continuamos a fabricar, geração após geração?
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