autora: Mima 

Ao correr da pena

07/11/11

Pisca o neon na porta da boate e na parede do quarto de janela sempre aberta sobre a cidade eternamente quente. Parede e teto oscilam na luz fria do letreiro azul enquanto letras se acendem, uma após outra, para se apagarem no fim da palavra emoldurada por linhas paralelas vermelhas e brancas, também estas num piscapiscar com a pretensão de movimento. A dança das cores no quarto prende os olhos, ou melhor, apaziguam o olhar enquanto os pensamentos esvoaçam de fantasia em fantasia.

Não eram tempos de inquietações e ela era um convincente convite a ventura de novos descobrimentos. Azul, vermelho, azul, vermelho enquanto o branco só vinha em flashes rápidos. Deitado no colchão precário estendido diretamente no chão, intuia perder-se no afago de sensações acolhedoras e na entrega à volúpia de extensos e improváveis devaneios, como o de ter, de repente, dimensões liliputianas para, assim diminuído, explorar com vagar a vastidão macia daquele corpo perfumado estendido a seu lado. Cogitou levantar para conferir, da janela, se havia uma letra queimada, o que o ritmo quebrado da alternância da luz fantasmagórica do neon insinuava. Mas, para quê?

Bebera um pouco, mas não creditava a isto a facilidade com que seus pensamentos, agora, se desgarravam e iam sem remates sempre à próxima dança, num frenesi de sonhos e realidade, êxtases e desassossego. A madrugada avançava pela cidade sem pressa, pontuada pelos sons imprevisíveis da embriaguez. O álcool, traiçoeiro no sangue, ilude com euforia efêmera e sensações lisonjeiras de início, para depois arrastar corpo e mente a um labirinto sombrio e depressivo. Por fim, o corpo cede e a tormenta também, por um sono pesado e intranquilo.

Não demoraria muito para o sol confirmar, pela mesma janela, a pontualidade da Terra em sua rotação.

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