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Quando o elevador parou, ele olhava um ponto indefinido com aquele ar de não estou aqui, tão comum neste meio de transporte vertical. Circunspecto, tinha o costume de evitar olhares cruzados, doces ou não. O cuidado se tornou inútil, todavia, pois além de parar, apagaram-se as luzes do elevador. Presos no cubículo não poderiam saber a extensão da escuridão. Era tarde da noite e a treva se estendia por todo o prédio, pela rua e pelas ruas, o bairro todo e a cidade, por todo o país. No início se ignora sempre a amplidão do blecaute e aquele se esparramava até ao Paraguai. Então, tentou chegar à botoeira do elevador, na esperança de que alguns toques e cutucões pudessem restabelecer a normalidade com o pronto acendimento da luz e ascensão suave do cubículo. Seguiu em direção aonde supunha os comandos, com passos miúdos e, mãos estendidas, a apalpar a escuridão. Foi só ao tocar o primeiro botão que compreendeu não ser aquele do elevador. E o suave encontro daquela maciez apagou - e ainda se podia mais apagar! - a intenção de buscar uma solução para o cárcere provisório imposto pela greve de elétrons. Ocorreu-lhe a eventualidade de se aguçar o tato na ausência absoluta de luz e começou a explorar tal possibilidade. Em pouco, sabia se tratar de pele o que seus dedos perscrutavam e aprendeu mais do perfume suave a anestesiar-lhe a razão. Apesar de prudente e recatado, ele herdara os instintos de todo animal e, certificou-se na memória sobre os passageiros daquela viagem e se alegrou ao saber-se sozinho com ela, bonitinha que era. Alegrou-se mais ainda com o silêncio e, mais que ele, com o comportamento repleto de consentimento explícito. Silêncio rompido apenas com o fim do apagão num grito de espanto, de susto e de um pouco de temor. |
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