"A presença de uma grande massa de ar seco", explicam as repetidoras dos centros de previsão do tempo, "deixará claro o céu e frias as madrugadas". Cedo, os vidros da janela estavam foscos por condensar a umidade do ar. No entanto, apenas abril, nem metade do outono! Outros propagadores de condições do clima ameaçam com promessas de um inverno frio como há muito não se vê - vê sente e sofre, deveriam dizer. O termômetro marca 16 graus.
Além do céu azul e luz delicada, o frio traz outros sabores. O cão, apesar da idade, mostra uma alegria imensa. Anos de convivência atestam esta relação: quanto mais frio, maior seu entusiasmo de manhã. A cantoria de muitos pássaros voltou hoje, sumida que andava nesses últimos dias. Os insetos devem estar à espera do primeiro sol para os aquecer - surgiram antes da natureza inventar o sangue quente.
Mas quem se importa com frio quando a o jogo de ganâncias ameaça com fomes mais fundas e obnubila tantos nesse caldeirão de interesses? Quando fantoches de uma sociedade sem seres humanos esgrimem-se como consumidores, empresários, contribuintes, passageiros, políticos, turistas, celebridades ou peões, tudo, menos gente e batem espadas e se multiplicame, submissos às imposições naturais.
Por enquanto, o frio é apenas ameaça e a multiplicidade de estações que marca o trópico se manifesta no canto de uma cigarra, vindo de algum lugar. Ela insiste, estridula a seu modo na celebração da vida. Sabiás se perseguem no abacateiro carregado de frutos. As esplêndidas trombetas das daturas destacam-se no mais puro branco ou em verde e rosa como a escola de samba. De muitas árvores os galhos se desnudam pra o inverno, mas ainda lhes restam folhas. A chaminé negra, de lata ou alumínio, ergue-se feia contra o azul. À noite, bom naco de lua inundará o céu.
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