O céu mal começa a clarear. Fina unha se ergue sobre o horizonte, aguda, alaranjada. Para nos atingir sua luz precisa atravessar, em atalho oblíquo, largo, as mesmas camadas de atmosfera poluídas por longa estiagem, que tingem feéricamente os pores-de-Sol. Aquela lasca de Lua dá o tom da alvorada baça que se anuncia para inaugurar o domingo. São cinco e pouco.
O galo, talvez sonolento, cantou uma vez e calou. A passarinhada também cala no amanhecer estranho. A luz de sódio dos postes, na outra encosta, tinge de amarelo as casas a imitar os primeiros raios de Sol e é lá, de fato, que eles primeiro pintam a paisagem.
Dia após dia apara-se a unha de Lua que se torna um risco mas fino no dedo invisível, que sempre aponta o Sol, o lugar do horizonte, onde ele nascerá - afinal, é sua luz, do Sol, que desenha na bola Lua a nesga iluminada e simula a unha para olhos que sonharam e pintaram astros numa abóbada hipotética que jamais existiu. Quem primeiro enche a manhã de cantos e pios são os sabiás. Começam, em cantoria forte e linda.
Quinze para as seis. O azul tinge, pálido, um céu tímido, quase sem nuvens. A lasca de Lua é branca, mais alta no céu. Ela agora aponta uma bola pálida, alaranjada, incapaz de iluminar - lanterna chinesa suspensa sobre o horizonte, Sol sufocado pela poluição. o Sol surge bem mais ao sul do que a Lua. Esta cumpre sua sina ao redor da Terra como agulha de bordadeira, ora acima, ora abaixo do pano que se estica no bastidor.
No céu que vemos, o Sol vai um pouquinho mais rápido. A diferença só se vê de um dia para o outro. Eles se aproximam, cruzam-se na Lua nova e, depois, a Lua passa a 'apontar' com sua 'unha' na direção oposta e aparece no pôr-do-Sol, e inaugura os escureceres e começos de noite.
Mas quem quer saber de Lua com tanto entretenimento e tecnologia à mão...
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