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Ao falar da memória só posso me referir àquilo de que me lembro, é óbvio. Impossível cogitar sobre o que me esqueci ou sobre a memória coletiva - não sou especialista. Talvez ache o psicólogo de botequim que o inconsciente, misterioso senhor de caráter quase divino, que tudo sabe e tudo pode, que sempre está, esteve e estará, que é meu e se estende e espraia por toda humanidade e transborda no ontem e no amanhã, talvez ache que este misterioso inconsciente cuide de tudo que não alcanço e alinhave cada trapo numa memória útil e eficaz a se lembrar do que me esqueci. Se há cuidados do inconsciente que à consciência não é dado saber, é óbvio, não sei e sua voz seria alheia a mim, de inconscientes, meu e coletivo, a dar palpites, opiniões, ou mesmo, soluções. Eu, quando falo da memória, sempre aludo ao que me lembro. Não, dona Sabrina, não tomei a pílula da Escola Inferior de Filosofia Vã. Eu, que só queria contar a maneira imperfeita como me ocorrem as lembranças - um pedaço solto aqui, outro acolá, fragmentos desconexos, trapos incongruentes difíceis de combinar em alguma colcha de retalhos. Acrescentar que me parece existir sempre uma emoção ligada a cada trapo, o que me faz supor que esquecamos a vida desprovida de sentimentos intensos. Só queria contar, também, que tudo isso me ocorreu quando me veio viva a lembrança de um tio, ao saber, hoje pela manhã, que teve uma festa linda e multicolorida, cheia de canto e alegria, no Maracanã, com uma multidão de bater recorde, maior que a população de grande parte das cidades do país, multidão que, apesar do que se faz e se fez com o futebol e com o Flamengo, alheia à ganância e outras tramóias, uma vez Torcida...
... e o líder do campeonato, campeão por antecipação, poder-se-ia dizer, foi derrotado pela maior emoção que se pode reunir num estádio de futebol. |
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