crônica do dia

Até amanhã

04/01/06

Agora vou dormir. Ao acordar abrirei os olhos se estiver vivo e anotarei sonho ou memória, pois sonhos se perdem no esfuminho da mente, são difíceis de capturar.

Por que, então, um copo cheio de café aqui ao lado? O coração cumpre seu papel e bate, mas ouvi-lo é ruim e faz imaginar alta a pressão do sangue a alimentar a vida na batalha sem tréguas que perde sempre, até a vitória final. Da morte, da vida?

Vida ávida por se multiplicar em vida para berrar ao impacto da luz da estrela de quarta categoria e partir célere a novas batalhas até não poder mais sustentar o olhar à mesma luz, da mesma estrela e precisar dedos alheios a lhe cerrar para sempre as pálpebras.

Viagem alucinada do útero ao túmulo, do desejo ao pó. Máquina do tempo a gotejar batalhas perdidas. Granito lançado ao mar que se desfaz em areia imaculada, virgem de toda pegada, enamorada da grande onda. Céus e terras que se acariciam em relâmpagos e beijos de gaivotas. Vórtice voraz que tudo aspira e a que tudo aspira - ah, tempestades tropicais!

Cala, mente loquaz! Há milênios zumbes as mesmas lengalengas e o boi não dorme jamais. Grito manso e morno de nota única a cumprir o designo primeiro em proveito da espécie. A eternidade dos deuses no sonho de tornar imortal cada célula, cada molécula, cada átomo talvez, se lhes é dado sonhar...

Ah, cumpre levar de um dia ao seguinte e deste ao outro tanta matéria em busca do divino no encantamento do mito da fonte da juventude eterna. Cumpre a decifrar na semente, no gameta, no cromossomo, no código que nos devora e determina, capacita e limita, assenhora e impõe. Ditador implacável de combinações aleatórias a nos impor fantasia e desejo, a nos fazer de peteca no rumo inexorável das próximas gerações!

Toca o sinal. É tempo de parar. Amanhã tem mais. Até lá, se a gente acordar...

|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|

2453740.657