Mostrei uma fotografia ao meu cachorro. Ele olhou e calou. Além de não se manifestar - nada dizer, com nenhum grunhido, nenhum rosnar ou latido, nenhum piscar de olhos e nem mesmo o simples abanar do rabo, que se diz ser o modo oblíquo de cachorro sorrir -, além de não se manifestar, eu dizia, ignorou de todo a imagem, como se nem existisse. Garanto, leitor ilustre, era uma bela foto e, ainda assim, o cão nada comentou.
Primo Nicolau, não, foi logo dizendo que cachorro enxerga com o nariz e que para eles as coisas existem apenas segundo seus perfumes ou fedores, por mais sutis ou imperceptíveis que possam ser para nossa cegueira olfativa. Espreguiçou-se na espreguiçadeira e concluiu: objetividade canina, primo, você lhe mostrou apenas um pedaço de papel.
Lá ficamos, à sombra dos coqueirais, a olhar o azul que se transmudava em um milhão de tonalidades do alto do céu à beira do mar onde a espuma branca de cerveja se sorvia por areias quentes, caminho de um cão cabisbaixo, em seu mundo de cheiros, atento a imperativos que poderiam garantir cachorros no quarto milênio: manter-se vivo e deixar filhos.
Primo Nicolau parou de chupar a água do coco e filosofou: esses vícios, primo, como esse do cão, de mandar mensagens em urinas e fezes e se deixar por elas guiar, são poderosos, os vícios, difíceis de mudar. E falo de nós, supostamente mais distantes do animal. Mas quem disse que os urros selvagens...
Foi aí que surgiram e passaram quatro corpos reluzentes e lambuzados de cremes e filtros a desfilar bumbuns, tornozelos e pernas bem torneadas e quadris e umbigos e ventres de leve penugem dourada enlaçados por fios amarrados descuidados em caprichosos laços a traçar curvas sobre curvas além da imaginação.
Quis dizer que ali estava uma prova contundente... mas o primo já sumira, para cumprir seu destino de bicho visual.
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|
2452535.419