Outro dia sem crônica. Já é crônica a situação. Tudo se me afigura repetição. O calor, o frio, a chuva abundante ou o dia ensolarado, o crime da primeira página e o policial humano, apenas humano, a fúria do furacão ou os afogados da inundação - enfim, tudo tem gosto de repetição, fragmentos de vida tantas vezes bisados!

Não quero a cada passo alardear o trivial que faço. Nem almejo convencer ninguém de nada e, ao largo, a bicharada vive e deixa viver. Sabiás continuam a cantar a velha melodia e bem-te-vis reagem com os antigos gritos ao ataque de sagüis a seus ninhos. A monotonia de tal mesmice, de repente, me lembra dona Ruth - seria assim seu nome no papel? -, a telefonista da sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo, em meados dos anos sessenta.

A ela, cabia um pequeno console de distribuição das chamadas telefônicas, uma mesinha cheia de cabos terminados por um grande pino a ser enfiado no buraco certo de um painel vertical do console, cheio de buracos.

O problema para mim vinha de ficar a dona Ruth bem no caminho. Todos os dias, ao descer para a redação - sim, uma redação literalmente, ao menos, subterrânea! - lá estava ela, recatada, bem-educada, com penteados bem-comportados a sugerir o uso de redes metida em cabos e chamadas e, todos os dias, o mesmo ritual se repetia: bom dia, dona Ruth e ela respondia a seu modo, entre um alô e outro. Esta repetição, todos os dias, todas as semanas, todos os meses me exasperava e a cada dia, no ônibus rumo ao trabalho, a cena se me antecipava para logo, diante do estranho console, me estarrecer com a exata repetição: bom dia, dona Ruth...

flagrante diante da sucursal, na Avenida São Luiz [autor desconhecido 17-06-67]

Assustava-me, no ônibus, saber que a cena se repetiria idêntica e, depois, me apavorava ao comprovar sua fiel repetição. Hoje, cada dia sem crônica me lembra o bom dia, dona Ruth.