|
Boneca03/04/06Chamava-se Boneca. Se me pedissem para a descrever hoje, meio século depois, diria rosado seu pêlo. Era, sem dúvida, uma pangaré; hóspede nas cocheiras de um hotel, em Petrópolis, que a alugava aos hóspedes humanos; ela e outros eqüinos. Conto coisas de 50 anos, ou mais, porque sonhei com cavalos, muitos cavalos, potros e um pangaré fosco, a me seguir de perto como um cão. Despertei e, ainda na estrada do sonho, meu espanto veio de nunca ter tido interesse em cavalos. Por que, então, a estrada, as mulheres e cavalos, inclusive com um potro recém-nascido? Aí, lembrei-me da Boneca e de que ela me derrubou, ou não, mas caí de seu lombo em galope desembestado e, quando de uma queda se vai ao chão, a uma dama carece, três cavalheiros de chapéu de hipocrisia na mão e assim caberiam, no sonho, as mulheres que, aliás, se distraíam e se perdiam nas beiradas da estrada. Meu filho, desde muito pequeno, queria um cavalo. Na vila onde morávamos, me explicava diante de um canteiro de um palmo de largura: - A gente planta um capim aqui pra ele, pai. Ao vir para longe do tumulto, comprei a Primavera, também pangaré, já que havia capim para muitos pangarés. Anos depois, ela pariu uma potrinha e, em seguida, as roubaram, mãe e filha. Não vi o parto, mas no sonho, um bebê cavalo enrodilhado, do meio da estrada, ergueu a cabeça e me olhou.
Um dia, saíamos em grupo a passear longe do hotel e a Boneca seria minha montaria. Avisaram-me: - A égua é meio arisca, mas não tem perigo. Só toma cuidado na volta que, perto de casa, ela costuma disparar... Na volta, a Boneca disparou. Inexperiente e ignorante, firmei os pés nos estribos, com pose de cartaz de bangue-bangue ou reclame de cigarros e... as correias do estribo se arrebentaram. Fugi da fantasia e do sonho, antes que chegasse a terceira, a quem, por certo, daria a mão... |
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior| |