Menino é bicho imprevisível. Menina também deve ser. Talvez até mais, mas como saber? Um dia desses, do lado de cá do fim do mundo, na avenida que ziguezagueia pelos cocurutos e é via mais plana daquela paisagem, seguiam dois meninos e uma bola. De repente, um dos garotos atravessou a rua. O outro, que ficara, lhe chutou a bola. Por um triz um carro não atropelou a bola de couro, meio murcha e muito surrada, já quase sem pele. A cena chamou a atenção de quem estava pelas calçadas e portas. Ficou uma sensação de alívio pelo quase, porque o carro não pegou a bola, mas a sensação durou pouco, pois logo veio outro carro... Os dois seguiam pelo asfalto, um de cada lado da precária avenida cheia de curvas, crianças, cachorros e buracos e, quando o outro carro chegou bem perto, o que estava com a bola a passou para o companheiro. Aquela era a brincadeira, aquele o desafio. A bola - boneca de menino - dessa vez raspou a roda do carro, que ia mais rápido do que o anterior. Do lado de cá é assim mesmo, os motorista são quase todos estreantes e os carros, pra lá de veteranos e, como se sabe, quem começa a dirigir tem sede de velocidade, uma atração pelo perigo parecida com a brincadeira dos meninos. Íamos na mesma direção e muitos carros quase atropelaram a bola, que cruzava a rua em passes certeiros. Em dado momento, um motorista mais impaciente, buzinou forte. Com precisão de craque, o garoto acertou a bola com estrondo na lataria do carro. Alguma xingação, mais buzinadas e o carro se foi. A brincadeira continuou até que os dois pegaram uma ladeira íngreme e desapareceram morro abaixo. Do sul vinha um vento contínuo. O sol ia perto do horizonte. Uma senhora gorda, de calça de malha azul-turquesa, sorriu com cumplicidade ao passar, por estarmos os dois a observar os meninos. Tão previsíveis em sua imprevisibilidade. |
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