É uma caderneta preta, formato de bolso, cuja capa se dobra para cima, não para a esquerda. Folhas finas, quadriculadas por quadrados de cinco milímetros de lado. Na última capa há um bolso e, por fora dela, uma alça de elástico, preto também, para abraçar a caderneta e a manter fechada e calada sobre eventuais pétalas em seu bolso. Ganhei de presente outro dia, com algum pretexto que esqueci. Na primeira página se lê: "José", com o jota refletido em um espelho imaginário, o jota e apenas ele - o 'o', é verdade, não dá para saber. Pequenos traços e pontos escorrem sob a inicial e, mais para baixo e mais à direita, encimado por um desenho de um velho com barba e cabelos crescidos: "p/ o vô o PIOR desenho do mundo bjs Ana". Nem é preciso dizer o quanto gosto do desenho - tão expressivo! No rodapé anotei: "11/10/09" - por acaso uma progressão aritmética de razão unitária, decrescente. Logo comecei a rabiscar a caderneta: "Apraz-me supor que cada terno olhar cruzado, todo beijo imaginado, cada suspiro calado, cada aperto inexplicável, tudo é apenas o risco primeiro de um esboço da vida em busca de um novo ser." "Por que cuidar de aflições a nós impostas por meios de comunicação, e toda sorte de propaganda com seu ecoar interminável na tagarelice geral?" "Acaso o temido aquecimento cobrirá de florestas as estepes geladas da Sibéria? Ganharemos de presente um continente e que relva revestiria, então, a Antártida?" "Se acaso a energia escassear voltaremos a namorar as estrelas do céu em vez das das telas? E nos envolveremos em sonhos pouco após os passarinhos, à luz de velas, sem computador nem televisor e acordaremos cedinho a descobrir as franjas do dia de Rachel de Queiroz?" Acaba-me o espaço, mas à caderneta restam muitas páginas em branco... quadriculadas, é óbvio. |
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