A imperfeição mais uma vez se prova imprescindível ao sublime. Diante de mim um desenho mostra o que à fotografia não é dado captar. É apenas uma aquarela simples, quiçá sem a mestria dos grandes aquarelistas e, na certa, sem a fidelidade da objetiva fotográfica, ainda que ordinária. Mesmo assim, transcende o real e logra expor, seminus o íntimo dos retratados. Obra de mão humana, perpetua por imperceptíveis imperfeições os estados de alma, a emoção além daquela que o rosto traduz, numa alquimia que faz de nós mais do que a matéria que nos faz.

O mecanismo de relojoeiro gira com precisão rítmica o tambor denteado e cada dente, ao passar por uma lâmina metálica, a faz vibrar e soar sua nota única - magia simples para fazer uma caixinha cantar e, das engrenagens de relojoaria sobra um eixo, vertical, pronto a girar o que for sobre a caixa de música. Onde está, porém, a bailarina? Onde se esconde o bibelô, o biscuit para reinar acima da delicada engenhoca?

O pai da noiva a traz enfim, princesa radiante, com esplendor a ofuscar cada rainha na luz inesgotável e puríssima a emanar de si. Com ela, tudo reverbera na vibração de corações em êxtase e assim, aos poucos, se afina o uníssono de tantos a celebrarem como um.

Rodopia a dançarina sobre a fina porcelana e onde uma bailava bailam, agora, como um, dois! Rito de raízes perdidas nos primórdios da vida. Celebração ao clamor das gerações vindouras, aos netos dos netos de nossos netos.

Ao cientista foi preciso se curvar às 'imperfeições' auditivas do afinador de pianos, à sua orelha humana, apenas humana, mas capaz afinar o instrumento com uma sonoridade inaccessível aos aparelhos científicos. Aqui, o cronista se curva à 'perfeição', tecida entre erros talvez, do admirável e singelo ritual de união dos noivos como marido e mulher.

Nota: Obrigado a você que, ao dizer: 'falta a caixinha de música para pôr a noiva em cima', deu origem a estas notas sem perfeição.