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Canalha23/02/06O pior é que me sinto um pulha, um canalha, um traidor. Dia após dia o sol nasce, cruza o céu de leste a oeste ou, se preferir, a Terra gira como porta-estandarte e seu desfile ao redor do Sol e não sai uma só croniquim, necas! E daí, dirão como no samba - será samba mesmo? -, você não tem contrato nem deve satisfação. Daí que há a lista, a quem envio a crônica nossa de cada dia, que depois virou esporádica e agora se esvai sem conseguir ser e me sinto traidor com essas pessoas que, volta e meia, dizem gostar de receber uma palavra como pão quente, ainda que não chegue pela manhã. Tento, é verdade. Há um começo de crônica para cada dia. Depois, páro, avalio e acho tudo uma droga. Lamento a falta do antigo gesto redentor de arrancar a folha de papel da máquina de escrever em gesto largo e ao som da pequena catraca sobre os dentes do rolo de borracha, que assim definia cada linha. Depois, embolar a folha e atirar, sem se importar muito com a pontaria para ver se materializar, no chão, o fracasso em bolotas mal feitas de papel, que nem se dizia sulfite ainda. Agora, é tudo virtual. Todavia, muito cedo, algo bem real soava e ecoava a abafar os ruídos humanos e calar pensamentos. Bandos de papagaios ou periquitos ou maritacas - cada um chama de um jeito - faziam uma algazarra tão escandalosa que tudo mais se podia adiar para ver a energia, a vitalidade, a pujança das pequenas aves verdes que cortavam o céu em bandos de... digamos, uma dúzia, para ficar com o número milenar, enquanto outras, muitas outras dialogavam em duas ou três árvores por perto. Aí, aquelas pousavam e outras saíam em formações que pareciam exímias esquadrilhas. Andaram por aqui até quase meio-dia. Iam e voltavam, ora em uma árvore, ora outra, ora a cochichar, ora a discutir e ainda assim, não sai uma croniquim e me sinto um pulha, um canalha, um traidor. |
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