Outro dia, um fabricante de armas parecia possesso numa entrevista no rádio. Mostrava uma indignação digna de quem teve a mãe ofendida no princípio deste século, bem entendido, já que hoje até isso virou banalidade. Xingar a mãe é tão corriqueiro que, muitas vezes ouvi uma mãe dizer a seu rebento: "seu filho da ... !
O fabricante de armas da entrevista do rádio estava indignado como se tivesse sido mortalmente ferido, todos adivinham, porque algumas pessoas tiveram a idéia de proibir a venda de armas e, com os ventos - ventos, não, vendavais! - com os tufões de tanta violência pra ajudar, parece que a idéia foi longe e já chega aos eleitos para fazer leis. Ele vomitava números e estatísticas, e brandia ameaças de desemprego e miséria, caso as armas de fogo, que ele e outros colegas fabricam, não se pudessem mais vender por aqui...
No mesmo dia, a primeira página do *Universo Online destaca essas três chamadas:
Depois disto talvez não fosse preciso dizer mais nada. A quarta e última chamada na capa de quem se diz o maior site de notícias do hemisfério, ou coisa assim, dá a cotação do dólar.
Informa-se, também, que os fabricantes de armas montam "um poderoso lobby" junto aos deputados e senadores. Ah, esses eufemismos!
No Rio, a venda de armas está proibida. Nos Estados Unidos, conta-se que a maioria dos pais se apressa a ensinar aos pimpolhos a usar armas de fogo. Agora, quem ataca dizer que está ansioso pelo fim dos ataques!... Se está mesmo, pare de atacar! É simples assim. Da mesma forma, se olharmos com isenção, sem qualquer tipo de preconceito, se tornará claro que armas - de qualquer tipo - não deveriam, sequer, se fabricar.
Não fui ler as novidades porque, como se vê, nada há de novo. A violência está por toda parte, em nós e ao redor, mas parece que só conseguimos percebê-la nos outros ou em suas manifestações extremas.
Com a mesma teimosia que deu a Nelson Rodrigues o apelido de flor da obsessão, repito: a sociedade é um mero reflexo daquilo que somos. Não é possível continuarmos violentos e tentar construir uma sociedade de paz, sem violência. Ela poderá ficar oculta por algum tempo, mas acabará explodindo.
Queremos uma nova sociedade. A opinião, burra ou não, por ser unânime, não impede que a violência durma em nossa alma, sempre pronta para atacar, quando nos sentimos atingidos, como o fabricante de armas descontrolado, no rádio.
Publicada terça-feira, 8 de Junho de 1999
180