autora: Mima 

Cerração

05/04/11

O excesso de água disperso no ar entre nossos olhos e a paisagem a transforma e dilui nesta manhã. O denso nevoeiro, do lado de cá do fim do mundo, esbate o perto e apaga os longes. Brumas precoces de um outono úmido demais, prenúncio de um dia ensolarado. Será?

As folhas estão molhadas e não choveu - frias, condensam na superfície a água suspensa no ar. Evocam-me cenários das terras secas do Oriente Médio e cercanias, das terras de pó, sedentas de umidade. Que contraste com o desfile lento da cerração, de leste para oeste, contra o fundo escuro! Em direção ao sol nascente o céu se faz luminoso. Dissipado o nevoeiro - o sol brilhará.

Por enquanto, teias enormes se desenham minuciosas ao refratar, à contraluz, seu bordado realçado por minúsculas gotículas nelas suspensas. A abundância de água estende lindos tapetes verdes, reveste de musgo o chão. Tudo se empapa e a vegetação avulta.

O sol se confirma em sombras tênues e brilhos tímidos. A dissipação da névoa as contrastará e os acenderá como efêmeros diamantes. O tempo é a bruma de nossa memória, mas cerração pelo avesso: apaga o próximo e mantém nítido o longe. O meio termo se atenua em gradações, como o ruço faz à cena.

Passa uma voz desafinada, voz de adolescente, cantando hinos a um time de futebol. Some na distância como o panorama. Do outro lado, escuta-se a conversa de dois papagaios, que moram na vizinhança. O dia começa a se povoar, também, dos sons da faina humana. A maldição divina obriga a suar o rosto: o estômago impõe a busca do alimento e o resto de nós procura se perpetuar.

Depois da ameça de sol, a manhã sombreou-se a entristecer o dia. Seriam nuvens espessas mandadas do mar? A névoa nos esconde também esses movimentos maiores da atmosfera. As eventuais infiltrações do Atlântico sobre um continente estreito. São oito e vinte.

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