Há doze anos, exatamente, se sugeria aqui um blecaute anunciado para aproveitar a noite de um dia, que amanhecia em esplêndido azul e, pela transparência do ar, prometia uma lua cheia cheia de graça e um luar espetacular. Hoje, mais de uma década depois, a lua míngua e o ar é úmido e imóvel. Por aqui, o dia começa branco e silencioso e a grande paineira despeja folhas e flores a mancheias. Ontem, as rajadas de vento as derrubavam em chuva de pétalas, entre as quais tombam, também, flores inteiras, com seus cálices e pedúnculos. Por um momento, o chão finge florir e essa insólita florescência é ainda visitada por mamangabas, aqueles abelhões solitários, pretos, grandes, gordos cujas entradas dos ninhos são meros buracos no chão. Além da ideia de apagar as luzes para olhar o céu em vez da televisão - os computadores, então, eram mais raros e não catalizavam em suas telas tantos olhares e tantas bobagens como anunciar pelo tuíter acabar de abrir uma lata de cerveja ou, por descuido de mão desastrada, ter derramado no colo um prato de sopa escaldante. Hoje, pululam computadores, com todos os nomes e formatos assim como se multiplicam as chamadas redes sociais para que todos se falem o tempo todo, cada um em sua tela, num fenômeno de comunicação abundante e escassa compreensão. Hoje, o blecaute imaginado pouco mudaria este panorama. Com a grande maioria dos computadores alimentados por baterias, a população poderia continuar, à luz de velas, nessa frenética troca eletrônica de informações descartáveis. Tal atitude, talvez, seja demasiado humana, ao se voltar, cada um, às próprias ideias, ao seu sentir, seu ego, alheio à praça e às árvores e bichos dali, à lua cheia ou minguante, ao céu estrelado ou branco, ao ar parado, num frenesi de comunicação onde a essência é difícil de comunicar. |
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