Chafariz

9/1/98


Passou a época do chafariz. A praça também deixou de ser um ponto de encontro e lugar de brincar e namorar. Em algumas cidades, muitas praças foram "remodeladas" e viraram desertos de concreto abrigando metrôs ou garagens em seus ventres. Muitos dos repuxos e chafarizes esculpidos em bronze sumiram sem deixar vestígios. Nada me surpreenderia se um dia, convidado a visitar a fazenda improdutiva de algum político... não, dona Sabrina, seria um pleonasmo dizer improdutivo qualquer político, imagino aqui - e apenas imagino, tudo no reino da mais pura fantasia, pois jamais seria convidado para visitar a toca de qualquer político -, imagino improdutiva a fazenda, terra onde nada se produziria que pudesse interessar às pessoas em geral. Mas dizia que não ficaria surpreso se na tal fazenda topasse com um dos belos chafarizes que enfeitavam as praças do Rio na década de 50. Naquele tempo, quase toda praça tinha seu chafariz ou, pelo menos, um repuxinho. Uns mais metidos, cheios de esculturas, ânforas, peixes e outros ornamentos para fazer a água jorrar, além de bandejas em cascatas, para fazer a água transbordar. Contavam-me os mais velhos, que alguns tinham vindo diretamente de Paris. Outros, eram mais simples, como o menino que fazia pipi, no Mourisco - hoje, nem o Mourisco existe mais - ou uma simples roda de repuxos iluminados, à noite, por refletores de diferentes cores... Passou a época do chafariz, de criança brincar na praça, de tarde e de namorados se encantarem com a festa de água e cores na mesma praça, à noite...

Imagine, no entanto, que um prefeito resolvesse fazer um grande chafariz em sua cidade. Com a tecnologia de hoje, suponho que se pudessem fazer coisas mirabolantes, com raios laser para iluminar e programas de computador para controlar esguichos e sei lá o que mais, coisas capazes de criar um verdadeiro show aquático. Claro que a grande maioria não iria perder as novelas da tevê só pra ver um chafariz. Mas uma parcela pequena da população iria se deliciar com o chafariz e fazer da hipotética praça um novo ponto de encontro, atraindo pessoas interessantes e, quiçá, transformando-a, até, numa semente de novas maneiras de viver. O inverso, digamos, dessas salas virtuais de bate-papo tão na moda... Tudo, no país das maravilhas, funciona ao sabor de nossa imaginação...

É aí que o prefeito faz as contas e conclui que o chafariz dá muita despesa. São sei lá quantas pessoas na equipe de informática, para cuidar dos computadores que controlam e garantem a diversidade do show, outros só para a manutenção dos lasers, a equipe de projetos e projeções, os assessores de conteúdo hídrico visual, os consultores de visualização à distância e todos esses apadrinhados de costume, inclusive os carros chapa branca e seus motoristas. O prefeito refaz as contas e chega a conclusão: a prefeitura está falida, não dá para manter o chafariz...

Cogitava sobre essas bobagens com o abominável primo que, desta vez, não se balançava nas pernas de trás da cadeira, por estar numa de balanço, mas fumaçava e babava seu charuto como sempre faz, quando ele me interrompeu: é simples... - disse Primo Nicolau. E soltou a lenta baforada do suspense. Olhei para o primo com cara de ponto de interrogação. Ele, olhou para o nada e continuou: é simples de resolver... Se eu fosse o prefeito criava o imposto do chafariz, e pronto. Olhei para o Primo Nicolau e sorri... ele começava e eu, queria ver até onde era capaz de ir. Ele foi: todo dinheiro dos governantes é mesmo arrancado à força dos súditos, a própria palavra o diz: imposto - aquilo que é feito aceitar ou realizar à força -, esta a primeira acepção do termo! Faça-se mais um imposto para pagar a turma do chafariz. A população é grande, dilui-se a conta, já que é água mesmo e dá um pouquinho só pra cada um. Digo dá, primo, mas você entendeu que é pra pagar... E o Primo Nicolau riu sua risada e continuou: veja bem, todos pagam a conta de água. Uma fórmula infalível seria embutir um "adicional" na conta, para "cobrir" as "despesas correntes" e "investimentos futuros" do chafariz do "terceiro milênio", aliás, primo, se fosse eu, mudaria esse nome - chafariz - esse nome não está com nada. Chamaria de fonte virtual multimídia do terceiro milênio, ou coisa parecida. Pega muito melhor...

Primo Nicolau desembestou. Falou, citou seu xará, Nicolaus Maclavellus e o famoso livro, "O Príncipe", fez contas e mostrou que se 30 milhões, por exemplo, pagam meros 2 dólares por mês faz-se outro chafariz, verdadeira cornucópia de onde jorrariam 60 milhões de dólares por mês e que 5 dólares levariam a 150 milhões, ou seja, quase dois bilhões a cada ano, dinheiro pra gringo nenhum botar defeito, arrematou. Deu uma baforada dupla e perguntou: e o que são dois, cinco dólares - tinha a mania de só fazer conta de dinheiro em dólar, desde o tempo do cruzeiro novo - qual o problema de arrancar alguns poucos dólares dos súditos? Primo, acho ótimo seu projeto do chafariz, ou melhor, nosso projeto da Fonte Virtual Multimídia do Terceiro Milênio! Esperei a fumaça da baforada se dissipar e disse: pena, Primo Nicolau, que já passou a época do chafariz...



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