A chuva se assenhora da paisagem e dos sentidos. Impõe seu cheiro de terra molhada e, mais que tudo, domina a audição. Ao chegar de mansinho, seus pingos escassos se perdem por telhas e demora até caírem do beiral as primeiras gotas. Embaixo, elas percutem largas folhas sanfonadas, verdadeiros tambores naturais, bumbos do chover a assinalar a fúria com as nuvens se derramam. Ali, primeiro tamborilam qual dedos a percutirem num tampo de mesa. Logo, a batucada se acelera e se impõe na marcação. O céu brinca seu carnaval. De outras folhas nascem diferentes sons pingo a pingo sobre o que estiver embaixo. Assim a bateria se faz fundo da zanga de trovões. Cada folha aparenta bendizer a chuvarada, a natureza parece sorrir. Em muitas delas se espelha a brancura do céu, em outras, poucas, gotas quase esféricas se fazem de diamantes. A água que retêm, devolvem em pingos maiores, mais sonoros e compassados. Rica partitura da folhagem! Do outro lado, o beiral deságua sobre pequeno rego, agora cheio, onde a água corre como rio. Os grossos pingos nele mergulham e soam com jeito orgânico. Evocam cantos e ecos de beira de lago ou lagoa noite adentro. Resultam do muitos 'glubs' e 'blops' com sutis diferenças sonoras. São tantos que, quando a chuva aperta, imitam uma corredeira. Por curtos períodos cai tanta água que tudo se alaga em espelho, mas logo a terra bebe o excesso. Por fim, o 'ralenti' dos finais. As grandes folhas sanfonadas, superpostas em busca da luz, voltam ao som de dedos leves sobre o tampo. Ainda chove, bem mais que uma garoa, mas o contraste do aguaceiro dá ares de que a chuva parou. Vem um passarinho, pequeno, pousa um instante sob a chuva e logo voa para se abrigar sob uma folha. Aparece um mosquito. Apesar da chuva, é preciso comer. Amanhã tem lua cheia, em noite de chuva ou luar. |
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