(de esporadicidade imprevisível)
Cismas
23/04/19
Apesar de dedicar os anos mais produtivos da juventude à lida com a Fotografia, primeiro metendo-me a fotógrafo e, depois, a professor da matéria, as velhas imagens imobilizadas nas emulsões como prata reduzida (isto é, transformada pela ação da luz e da revelação de sais de prata no metal), as imagens de pessoas há muito falecidas, cenas de um passado irrecobrável e, principalmente, aquelas a retratar pessoas com quem convivemos muito, tais fotografias sempre guardaram, para mim, um incômodo aguilhão a cutucar a consciência com o odor de naftalina ou com o ar sisudo a rescender História dos ambientes museológicos. Fui péssimo aluno de História ao longo de toda a vida de estudante. Apenas na velhice o encantamento dessa matéria se desvelou a meu olhar. É bem possível terem os dois fenômenos uma origem psicológica comum. (Aos especialistas, a palavra!) Ontem, percebi a mesma reação ao reler antigas crônicas deste aprendiz. Lá estava o passado assanhando-se como crisálida de uma metamorfose impossível e mais uma vez o item de colecionador exalou a imagem incômoda das gavetas de museus cheias de algodão e borboletas. Trata-se certamente de nosso rasto. Quando criança, brinquei muito com pequenos caracóis, abundantes no jardim de casa. Volta e meia os colocava em um aquário para observar. Os moluscos subiam lentamente pelo vidro liso deixando um rasto de muco a marcar seu caminho. Quando o muco secava, tornava-se translúcido. Também nós deixamos nossas pegadas ao longo da vida e procuramos reter o intangível. É como sinto algumas fotografias, as aulas de História do ginásio, as emblemáticas coleções de lepidópteros dos museus e, agora, antigas crônicas. Não se assuste, são apenas cismas de um velho. A velhice possibilita façanhas antes restritas às incontáveis facetas da ficção. |
Mon, 29 Apr 2019 08:38:19 -0300 Oi, amigo Oi, Ana. Fri, 3 May 2019 02:06:26 -0300 Adorei esta! Oi, Rô. |
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