autora: Mima 

Clamor

05/11/14

De repente, um grito se impõe ao calar para almoço a trepidante e ensurdecedora obra no hotel vizinho. É voz de criança pequena e apesar da articulação imperfeita, compreende-se perfeitamente: "cachorro!" Alguns segundos, e o grito se repete. Corro à janela e encontro, atrás da rede de proteção, um menino - de uns quatro anos, talvez. Ele olha para baixo e chama seu amigo, certamente um dos dois poodles, um branco, outro preto, habituais nos fundos do prédio defronte ao seu. Aquela voz de criança a chamar o cachorro era um bálsamo na aridez dos fundos contíguos de todos os prédios do quarteirão. Alguns mais altos, outros mais baixos, juntos formam um recorte de quadriláteros encaixados com os pisos, quase todos, com aspecto de asfalto de rua.

A janela de onde a criança chamava seu amigo focinhudo está quatro andares acima do piso dos fundos de seu prédio e um andar a mais do quintal onde os cães aparecem, às vezes, apenas para evacuar. O guri passa entre duas cortinas amarelas e se apoia na rede de proteção. Seu chamado chamou, também outros moradores às respectivas janelas. Como disse, era um chamado comovente e em dois ou três apartamentos do mesmo prédio, pelo menos, senhoras chegam às janelas atraídas por aquela voz.

A criança insistia e subitamente aparece o poodle negro, com pêlo todo raspado, exceto na ponta do rabo. O animal não tomou conhecimento do menino, mas este se alegrou com a chegada do cachorro que, logo desapareceu. Por algum tempo a voz cheia de candura insistiu: "cachorro!" Não durou muito o garoto e seu apelo à vida, ao chão de terra, às fascinantes minhocas, à cantoria das cigarras, dos passarinhos, dos grilos à noite etc.. Pouco depois o menino desapareceu. Hora do almoço, provavelmente e, como ele, cada morador some também na gaveta de seu apartamento.

Date: Wed, 5 Nov 2014 14:02:38 -0200

Adorei,Clode! Bj

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Sempre que você gosta é uma festa no meu quintal, ainda que um quintal feio como contei.
Merci.


Wed, 5 Nov 2014 19:05:59 -0200

... sim: sobe cada um pra dentro de sua gaveta.
vida urbana...

bom fim de tarde ai, mermão.

bjos

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Merci. A chuva só veio à noite. Choveu muito pouco, por sinal, mas as pessoas já tinham suas janelas fechadas - têm ar condicionado... Só a minha permitiu que um pouco de chuva molhasse o chão.


Thu, 6 Nov 2014 08:39:15 -0200

Adorei. Gaveta do apartamento é demais!
Bjs
Ana

E não são, esses prédios verdadeiros gaveteiros?


Thu, 6 Nov 2014 10:46:41 -0200

Recebi seu aviso sobre os telefones, mas estou escrevendo pra te dizer que adorei sua última crônica "Clamor". Fiquei muito contente que apesar da mudança pro Rio, você continua escrevendo tão bem.

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Obrigado.


Sat, 8 Nov 2014 08:57:19 -0200

Clode,

que maravilha!!!!

Devo acreditar que, mesmo longe do mato, você consegue se divertir com suas crônicas.

JOGO DE PING-PONG:
Quando comecei a ler sobre a protetora grade de plástico,menino, já previ uma tragédia..

GRADES PROTETORAS:
Uma pré-ocupação que jamais tive, com meus filhos.
No período que ,com meus filhos dividi a moradia, (em Salvador) jamais ouve essa neura.
Uma interessante pesquisa a ser feita!
Quando surgiram as tais "grades protetoras"? - quanto vulneráveis são? que de petróleo são?
Lá moramos, em Quarto Andares, em Décimo Quinto Andares!!!
Desse décimo quinto "andares", quando tentava eu, verificar se a de fusca motorista escolar havia chegado,
tinha eu vertigens insuportáveis.

Sou insuportavelmente vulnerável, ao/al/turas enfrentar.
Quando assisto aquelas insuportáveis criaturas a enfrentar alturas inimagináveis, minha adrenalina se manifesta,
mesmo que espalhada esteja eu, no meu sofá, de convulsões sofro.

Minha admirável Roberta-filha, justifica a não presença, considerando que não tenho eu, aquela plástica proteção
nas janelas.

Meu esconderijo é no segundo andar. Sob minha principal janela, existe o síndico. (palavra maléfica)
O síndico, avançou, sei lá a quanto tempo, um espaço disponível.

A queda, da minha varanda para o chão, seria é, de um metro.

Eu, com uns 3 e/ou 4anos de idade, despenquei de uma janela. Uma despenca de uns 3 metros.
Certo, minha neura com alturas. Tá vendo? ouvésse as grades protetoras, não teria eu despencado ...

Aqui no meu esconderijo, estou eu.
Não aprecio, nem me deleito com a idade. 69 voltas ao redor do sol.
Minhas limitações começo eu a tentar compreender.
Não gosto do panorama.

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Parece não ser eu o único afeito a malabarismos com palavras, mas elas não são a coisa. Se estivesse na lua creio que falaria da poeira, dos buracos, das estrelas. Sinto falta do "mato", sim, mas aqui o desafio me parece maior e, não esqueça, sou mais velho.


Sat, 15 Nov 2014 15:09:04 -0800

enternecedor e comovente
me lembru Dersu Uzala
no final do filme, doente, o amigo o leva para casa e ele pergunta como as pessoas podem viver naquelas caixas ...
lembra?
ate hoje um dos melhores e favoritos filmes q eu vi

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Não, não lembro de nada e nem lembraria o nome do filme. Não compreendi, portanto, a analogia.

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