crônica do dia

 

Colapso

27/06/03

 

Ontem, toda sofisticação tecnológica prestou-se a exibir, em tempo real, o colapso de uma vida no meio do campo, em pleno jogo de bola, que se transmitia para centenas de países.

Nos noticiários da noite repetiu-se ad infinitum a cena onde o negro forte, de aparência saudável, desaba sem mais nem menos, sem disputa de bola, sem correr, pois apenas caminhava ou, como disse locutor da Rádio Gaúcha, trotava e, de repente, desmorona.

Era a morte - não se sabia ainda - de Marc-Vivien Foé, 28 anos, da seleção de Camarões, aos 27 minutos do segundo tempo de um jogo contra a Colômbia. Close-ups mostraram os olhos do jogador muito abertos e muito virados para o alto, como se quisessem ver dentro do próprio crânio. Impressionantes! Aquele olhar, ou a falta do que se pudesse chamar de olhar, assinalava, com certeza, a morte.

A morte como espetáculo, sem convite, a se impor à revelia perturbou comentaristas e jornalistas especializados ou não em futebol e esportes. Muitos pareciam perplexos, procuravam palavras e, amiúde, diziam bobagens.

da internet
da internet

A morte como conceito, como objeto virtual, que se pode restringir a campos de batalha em guerras de televisão e computador, a hospitais, a cemitérios - enfim, a territórios bem demarcados e que não deveria, jamais, invadir parques de diversões!

A cada ano, morrem mais de 50 milhões de pessoas no mundo: 137 mil por dia, seis mil por hora, 95 por minuto, quase duas por segundo. Enquanto se lê esta crônica, morreriam uns 400 seres humanos. Nesses números se inclui muita morte precoce: gente atropelada, esmagada nas latas de carros, ônibus e caminhões; gente atravessada por bala e todo tipo de flecha moderna, que se fabrica e vende e anuncia e estimula a usar, como qualquer vício, legal ou não.

Apesar disso, a morte de Marc-Vivien Foé pareceu um soco na cara.

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