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Saudade25/06/03 |
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"aspas" "Esperança Vicente de Carvalho, Poemas e Canções, 8.a ed., 1928, p. 3 |
Ontem, apesar de tudo, o fim de tarde pareceu maravilhoso, um desafio à compreensão: apesar do barulho dos motores, do ar imóvel e imundo, do pó que os carros levantavam e das caras abatidas das pessoas ao voltar à pé do trabalho. Ainda assim, havia magia. Encantamento independente de horizonte límpido e distante, pois o horizonte parecia perto e baço, de cenário de noviça rebelde, pois o que se via eram ruas sem calçamento e casebres inacabados, postes feios e fios cheios de pipas e rabos. Às vezes, lutamos muito pelas condições externas da felicidade imaginada, esboçada em sonhos, idealizada pelo desejo e quando, depois de muito sacrifício e sofrimento, se chega ao cenário do ideal e a possuir o que se supunha imprescindível, nos vemos de mãos vazias, sem alegria e sentimos voltar o ímpeto de ir em busca dos "dourados pomos" da famosa árvore de Vicente Carvalho. Mistério parecido vinha da capa de um livro da infância, que não sei se li nem se o ouvi: uma ilustração banal, mas capaz de evocar um tempo esquecido há décadas, séculos ou mais. Como se fosse paisagem que reconhecia e era capaz de provocar... saudade. Claro, talvez a criança estivesse apenas sob influência do título da obra, exatamente este: "Saudade". Mas lembro da emoção ligada à imagem e não ao título. Uma figura de costas, em primeiro plano, em ampla vista de vale verdejante a se estender até o infinito. Até o infinito... O desenho comum, estereotipado quanto à técnica tanto quanto, acredito, aos arquétipos do inconsciente comum, incluía no primeiro plano árvore imponente, cuja sombra abrigava o homem sim, era um homem solitário... bem, ia dizer a olhar o infinito, mas não se pode saber, estava de costas! Todavia, o horizonte se perdia no infinito num tempo infinito... bem, pelo menos para olhos de menino, sob a palavra saudade. |
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